"A vida é de quem se atreve a viver".


Geniberto Paiva Campos
Pobre Michel, a história não fala bem dos traidores

Geniberto Paiva Campos -

Dispensável jogar búzios ou tarô. Consultar os astros. O destino dos homens parece vir marcado, em definitivo, desde seu nascimento. É inexorável. Os grandes homens, e aqueles menores, irão cumprir o papel que a vida lhes reservou.  Como se estivesse escrito nas estrelas.

A política, às vezes, tem o dom de revelar, com indiscutível transparência e veracidade, a vocação para a grandeza ou a miséria humanas.

A crônica política brasileira contemporânea oferece vários exemplos que sustentam essa tese. Graças ao nosso irredutível apego ao sistema presidencialista. Especificamente, o desafio parece ser colocado para os que aceitam exercer a difícil função de vice-presidente da república.

Uma categoria que poderia ser acrescentada ao poema “ O Desespero da Piedade”, de Vinicius de Moraes: “tende piedade, Senhor, dos vice-presidentes, pois eles almejam exercer, a qualquer custo, o cargo dos titulares. Alguns, irresistivelmente, tornam-se traidores por profissão”.

As lições da história - sempre temos o que aprender com a História. A saga dos vice-presidentes torna-se mais evidente a partir de meados do Século XX. Poderíamos começar com Café Filho, um político progressista de origem nordestina.

Vice de Getúlio Vargas, Café Filho se envolveu na conspiração udenista para afastar Vargas do poder. Conspiração que resultou no suicídio de Vargas, gerando uma crise política talvez sem precedentes no país. Getúlio Vargas “deixou a vida para entrar na História”. Para muitos brasileiros uma das maiores expressões políticas do século passado.

O vice Café Filho assume, e logo em seguida é deposto. O presidente da Câmara, Carlos Luz, dirige interinamente o país, até a eleição do novo presidente. Café Filho foi devidamente esquecido, passando a ocupar os desvãos da História.

Em sequência, ocorre a eleição de Juscelino Kubitschek, tendo como vice João Goulart, o líder trabalhista Jango. Após algumas tentativas desastradas de golpes de estado, o Brasil retoma um ritmo de paz e desenvolvimento, o qual caracterizou o período JK.

Este mantinha uma convivência correta com o seu vice. JK é sucedido pelo ex-governador de São Paulo, Jânio Quadros, tendo como símbolo de sua campanha uma vassoura, para “varrer a corrupção do país”.

Seu vice, eleito separadamente de JQ, era, novamente, Jango. Os dois se toleravam. Em agosto de 1961, após sete meses de um governo instável e sinuoso, para surpresa de todos, JQ decide renunciar. Atitude cujos verdadeiros motivos, ainda hoje, são incertos.

Os ministros militares vetam a posse de Jango, abrindo uma séria crise político-institucional. Jango somente pode assumir como presidente de um regime parlamentarista. Tempos depois recupera seus poderes presidencialistas, sendo deposto por um golpe de estado em 1964.

No início do período da redemocratização, pós - governos militares - em 1985, o presidente eleito no Colégio Eleitoral, Tancredo Neves, morre às vésperas da sua posse, sendo substituído pelo seu vice, José Sarney. O qual consegue fazer, com êxito, a transição para a democracia.

Na primeira eleição direta do período democrático, é eleito o ex-governador de Alagoas, Fernando Collor, tendo como vice-presidente Itamar Franco.

Novamente, um outro presidente não consegue completar o seu mandato. Collor, o Caçador de Marajás, é afastado pelo Congresso Nacional. Itamar, que não participara das tratativas para o impedimento de Collor, assume e faz um governo curto, porém marcante: controla a inflação e institui uma moeda sólida, o real. Colocando o Brasil numa nova perspectiva política e econômica. Fez um grande governo.

O governo seguinte Fernando Henrique Cardoso, presidente e o pernambucano de alta estirpe política, Marco Maciel, como vice-presidente, comandam o país por dois mandatos seguidos (1995/2002). E fecha o ciclo dos governos liberais. Sem maiores turbulências na relação entre o presidente e o seu vice.

O ano de 2003 começa com uma grande inovação na política: pela primeira vez, um retirante nordestino, Luis Inácio Lula da Silva, de origem operária, líder sindical, chega, pelo voto direto, à presidência da república.  Seu vice, José Alencar, empresário mineiro, dá inevitável conotação simbólica à chapa vitoriosa: representantes do empresariado e da classe operária se unem para comandar o Brasil, por dois mandatos (2003/2010).

Implantando políticas progressistas e inclusivas.. Também sem turbulências em sua gestão. José Alencar, mineiro da melhor estirpe, se revela um político leal e correto.

Na eleição seguinte ocorre a terceira vitória seguida da coalizão PT/PMDB. A petista Dilma Rousseff é eleita, tendo como vice o representante da elite paulista, o político e advogado Michel Temer, um dos líderes do PMDB. Professor universitário (de Direito Constitucional!) e ex-presidente da Câmara dos Deputados.

Reinaugura-se um novo período de turbulência e deslealdade nas relações presidente x vice.

Mais uma vez, o vice conspira e decidir trair. Como fazer para ressuscitar o projeto neoliberal, repudiado pelo eleitorado brasileiro quatro vezes seguidas?

Simples: implodindo a coalizão presidencialista e cooptando o vice para exercer a presidência da república. Implantando, com todo o cinismo e desfaçatez possíveis - e uma estranha pressa - o projeto derrotado seguidamente nas urnas. Exemplo clássico de estelionato eleitoral.

Qual o manual golpista a ser obedecido? Simples também: Washington recomenda, e já está colocando em prática na América Latina, o “Manual do Golpe Suave”. Descrito com maestria por Aldo Arantes, em seu novo livro “Reforma Política e novo projeto para o país”.

Diz Aldo Arantes: “no manual, intitulado “Da Ditadura à Democracia”, Gene Sharp (guardem esse nome) descreve os passos para se alcançar a derrubada de governos, no atual modelo golpista:

-Promova ações para gerar um clima de mal-estar social, com a colaboração da mídia;

-Faça denúncias, fundadas ou não, para debilitar a base de apoio do governo e criar um descontentamento social crescente;

-Promova luta de rua, com reivindicações políticas e sociais que se confrontem com o governo;

-Combine diversas formas de luta para criar um clima de ingovernabilidade;

-Se for necessária a fratura institucional, realizá-la com base em manifestações de rua e ocupação de instituições públicas, pronunciamentos militares até a renúncia do presidente.

Fica evidente a necessidade de apoio de outras instituições para o êxito completo do “Golpe Brando”, na tomada do Poder Executivo: Judiciário, Legislativo e a Mídia são elos fundamentais da corrente golpista.

Creio não ser necessário “desenhar” para que o processo empregado no Brasil se torne mais evidente para todos nós.

A adesão do vice-presidente ao esquema foi essencial para dar características de “ legalidade” à tomada do poder, tornando desnecessária qualquer tipo de consulta popular.

Como dizem os jornalistas que fazem uma comunicação honesta e baseada em fatos: o que faz um professor de Direito Constitucional aderir a um esquema tão perverso e tão estúpido em seus fundamentos?

O professor Michel deve estar convencido que o povo brasileiro forma uma “Confraria de Tolos”. Não passam de beócios, fáceis de enganar. Acreditam, portanto, que as medidas suicidas do “novo governo” são corretas e salvadoras.

Que o povo vai assistir quieto e passivo ao assalto às riquezas do país, aos direitos trabalhistas, ao estado de direito, às liberdades públicas. E que, tão tolo é, que estaria disposto a pagar para ter direito a um emprego. Enfim, pagar para trabalhar. Aposentadoria? Nem pensar.

Deverá acompanhar, quem sabe com aplausos e entusiasmo cívico, a rápida destruição do seu país. Finalmente, transformado numa nação vira-lata. Sonho neoliberal.

Pois muito se engana o pobre professor Michel. Como diz a sabedoria coletiva, o povo não é bobo. Sobretudo diante de tanta tolice de asnos neoliberais que se imaginam raposas, como afirmou Mino Carta.

Não é bem assim que as coisas funcionam. A História há de lhe cobrar explicações, professor.

Pobre Michel, ficará na vala comum em que se acotovelam Calabar, Silvério do Reis e outros traidores da Pátria.

O povo brasileiro não lhe concederá perdão ou descanso. Como afirmou um militar brasileiro de alta patente e sabedoria: “A História não fala bem dos traidores”.

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