"A vida é de quem se atreve a viver".


Sal da terra

Como não é possível comemorar o Dia D na Livraria Sebinho, como fazemos todo ano, vai aqui a minha modesta homenagem ao poeta nacional Carlos Drummond de Andrade, nos 118 anos de seu nascimento (31/10), na forma de um poema mal cortado e pior cerzido:

Como Orfeu e a mulher de Ló
reviro os olhos para contemplar
dois acontecimentos relevantes
do ano mil novecentos e trinta:
a dita Revolução de Getúlio
e a edição de Alguma Poesia
do vate Carlos Drummond de Andrade -

De Carlos Drummond herdamos um metro
de paixão pra trinchar e cerzir versos
e também para destrinchar enigmas,
claros para quem pode e quer despi-los -

Pode ser que o nosso maior mistério
seja ainda a velha modernidade,
por Getúlio espanada e reciclada:
espessa e dura crosta de camadas
de pau, grão, povo e minérios, há eras
esgaravatadas por empregados
constrangidos pela calma e discreta
razão e mão da Máquina do Mundo -

Ferro, sangue e ouro dessa fundura
jorram, e um lodo amarelo gosma,
fedendo a tédio, rancor e troça,
de vez em quando as sobras transbordando
para acrescer verniz e novo emboço -

As atiladas lentes do poeta
míope nos permitem suspeitar
feias flores nas gretas do asfalto
- porém flores - consolo pras retinas
tão fatigadas de fatais abismos
em tudo semelhantes aos que viram
o pobre Orfeu e a mulher de Ló -

Eis a questão como grito de guerra:
depois de nossas gerações faltantes,
qual geração será o sal da terra?

Antônio Carlos Queiroz - ACQ - 24/10/2020

Fundo musical: Valsa da Dor de Villa-Lobos, executada por Nelson Freire, 01/01/2012, @ Universal Music Group


Sal da terra
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Sal da terra

Como não é possível comemorar o Dia D na Livraria Sebinho, como fazemos todo ano, vai aqui a minha modesta homenagem ao poeta nacional Carlos Drummond de Andrade, nos 118 anos de seu nascimento (31/10), na forma de um poema mal cortado e pior cerzido:

Como Orfeu e a mulher de Ló
reviro os olhos para contemplar
dois acontecimentos relevantes
do ano mil novecentos e trinta:
a dita Revolução de Getúlio
e a edição de Alguma Poesia
do vate Carlos Drummond de Andrade -

De Carlos Drummond herdamos um metro
de paixão pra trinchar e cerzir versos
e também para destrinchar enigmas,
claros para quem pode e quer despi-los -

Pode ser que o nosso maior mistério
seja ainda a velha modernidade,
por Getúlio espanada e reciclada:
espessa e dura crosta de camadas
de pau, grão, povo e minérios, há eras
esgaravatadas por empregados
constrangidos pela calma e discreta
razão e mão da Máquina do Mundo -

Ferro, sangue e ouro dessa fundura
jorram, e um lodo amarelo gosma,
fedendo a tédio, rancor e troça,
de vez em quando as sobras transbordando
para acrescer verniz e novo emboço -

As atiladas lentes do poeta
míope nos permitem suspeitar
feias flores nas gretas do asfalto
- porém flores - consolo pras retinas
tão fatigadas de fatais abismos
em tudo semelhantes aos que viram
o pobre Orfeu e a mulher de Ló -

Eis a questão como grito de guerra:
depois de nossas gerações faltantes,
qual geração será o sal da terra?

Antônio Carlos Queiroz - ACQ - 24/10/2020

Fundo musical: Valsa da Dor de Villa-Lobos, executada por Nelson Freire, 01/01/2012, @ Universal Music Group


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