Poema de Luis Turiba, 100 mil mortes, apresentado em forma de jogral, com 10 vozes de poetas do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e Brasília.
A poesia exalta, celebra, engrandece, mas também denuncia. É o que pensam os 10 poetas que se organizaram para gravar e divulgar o poema 100 Mil Mortes , de Luis Turiba, a ser lançado no próximo domingo (2/8).
Segundo estimativas de grupos médicos e técnicos em pesquisas estatísticas, os óbitos de brasileiros por Covid-19 devem chegar a este número até a segunda semana de agosto, também conhecido como “mês do desgosto”.
“Cem mil pessoas representam um Maracanã superlotado. Não podemos ficar calados, sentados com “a boca cheia de dentes esperando a morte chegar”, como cantou Raul Seixas. Enquanto a tragédia parece não ter fim, vamos denunciá-la”, diz o poeta Turiba, ex-editor da revista brasiliense Bric-a-Brac, com livros recentes publicados pela 7 Letras do RJ.
Durante o mês de julho, o poema foi bem trabalhado e dividido em estrofes. Todos gravaram sua parte pelo celular em seus refúgios, pois estão em isolamento social.
A edição de imagens é de Luca Andrade, master coach executiva, que adora fazer arte em suas horas de lazer e optou por um clipe espelhando a indignação e tristeza do luto.
O poeta e arquiteto mineiro João Diniz, de Belo Horizonte, cuidou dos desenhos numa estética de riscos e rabiscos; contribuindo também na escolha da música de fundo, um arranjo inovador das Bachianas de Villa-Lobos.
Participaram o projeto, além dos já citados: os poetas cariocas Tanussi Cardoso e Paulo Sabino; os mineiros Jairo Fará (São João Del Rey) e Titina Andrade; e as brasilienses Noélia Ribeiro, Maria Maia e Bic Prado, esta última toca um tambor que marca o ritmo fúnebre do poema.
As 100 Mil Mortes, poema para 10 vozes
Luis Turiba
PRIMEIRA
100 mil silêncios sepulcrais
100 mil funerais secretos
100 mil coveiros improvisados
100 mil pulmões ressecados
100 mil generais na saúde
100 mil respiradores alados
o que posso, moço: o que pude?
SEGUNDA
100 mil rastros de saudade
100 mil marias em bruto-luto
100 mil josés de mortalhas
100 mil gritos de senzala
100 mil dores sem gritos
100 mil amores rasgados
100 mil famílias destroçadas
100 mil estatísticas vivas
TERCEIRA
100 mil cruzes de lágrimas
derramadas espalhadas
no rio-mar Amazonas,
no seco sertão do Agreste,
nas terras d’Ianomamis
na areia de Copacabana,
no Vale do Anhangabaú
Esplanada dos Ministérios
dos Pampas campos do Sul
- quem será que leva a sério?
QUARTA
100 mil apertos em mãos frias
100 mil receitas d’ideologias
100 mil atestados de óbito
100 mil covas rasas mórbidas
100 mil caixões de terceira
na quase podre madeira
100 mil colegas de trabalho
agora todos sem salários
QUINTA
100 mil médicos esgotados
enfermeiras angustiadas
técnicos em parafuso
auxiliares confusos
no estresse mais absurdo
heróis heroínas guerreiras
SEXTA
100 mil negações da ciência
100 mil vivas à medicina
100 mil órfãos sem leitos
sem sequer saber do Aceite
100 mil rezas de desespero
100 mil Pai Nossos inteiros
100 mil Ave Marias de prantos
100 mil irmãos tios e primos
- o covid pegou o Hidelbrando
SÉTIMA
100 mil amigos lembrados
sem tempo pra ser velados
tampouco uma saideira
nem gurufim nem geladeira
OITAVA
100 mil velas seguem acesas
100 mil máscaras não usadas
100 mil macas esgarçadas
100 mil abraços vazios
100 mil beijos sufocados
100 mil “ora... que assim seja”
100 mil verdades nuas cruas
daquelas de fechar os olhos
e se entregar à força do choro
NONA
100 mil 100 mil 100 mil
caminhamos cegos sem ar
os sinos não param de dobrar
a imprensa conta & faz contas
o governo esconde, faz de conta
alguma dúvida? alguém dá vida?
é de direita? é de esquerda?
quem irá pagar essa perda?
antes da chegar ao despautério
das 100 mil e uma despedidas
DÉCIMA
pobre país sem epitáfio
no incauto poder do abuso
onde jaz desprezo eterno ao luto
Rio de Janeiro, 20.07.2020
Expectativa para as 100 mil mortes: 13 de agosto
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A equipe:
Poema 100 Mil Mortes, de Luis Turiba
Produção: Luis Turiba e João Diniz
Edição: Luca Andrade
Ambiente Musical: As “Bachianas” de Villas Lobos: guitarra de Rick Bolina sobre gravação original de Eduardo Assad
Tambor: Bic Prado
Desenhos: João Diniz
Contatos: Luis Turiba (21) 98288-1825 - WhatsApp
“Dizedores” do poema por ordem:
Luca Andrade, RJ
Tanussi Cardoso, RJ
Noélia Ribeiro, Brasília
João Diniz, Belo Horizonte
Paulo Sabino, RJ
Jairo Fará, São João Del Rey
Maria Maia, Brasília
Titina Andrade, Belo Horizonte
Luis Turiba, RJ