Romário Schettino –
Morreu na madrugada desta sexta-feira (12/2), aos 86 anos, em Brasília, o fotógrafo Luis Humberto Pereira, referência do fotojornalismo brasileiro, vítima de complicações em decorrência de um linfoma no sistema nervoso central.
Uma parte de sua obra está nos livros Fotografia: Universos & arrabaldes (1983) e Brasília, Sonho do Império, Capital da República (1981). Em 2007, ele publicou ainda Do Lado de Dentro de Minha Porta, do Lado de Fora de Minha Janela, que também foi transformado em exposição.
Nos anos 70-80 Luis Humberto transformou o Jornal de Brasília numa espécie de laboratório. Ele montou uma equipe altamente qualificada, com alunos da UnB e profissionais da área, que revolucionou o uso da fotografia como elemento fundamental da notícia. Foi um período que impressionou pela qualidade do trabalho. Quem tiver acesso aos jornais desse período entenderá do que se trata. Tudo realizado, ousadamente, em plena ditadura militar. Sua vida profissional na imprensa sempre foi no sentido de valorizar o fotojornalismo.
Nos últimos anos, Luis Humberto vinha se dedicando a ensaios domésticos. Com a dificuldade de mobilidade por causa do Parkinson, ele passou a registrar o ambiente ao redor a partir da perspectiva da cadeira de rodas. Ao falar sobre o ensaio A reforma do olhar possível, disse ele ao jornal Correio Braziliense à época: “Comecei a fotografar, a olhar as coisas de outra maneira, descobrir coisas, trabalhar num universo de dimensões menores, o que não desqualifica, mas faz você mergulhar em outra escala de coisas. Você vai descobrindo coisas que têm um certo encanto, é um jogo”. Esta exposição foi comentada pela poeta Maria Lucia Verdi aqui no Brasiliários.
Uma outra homenagem feita a Luis Humberto está neste link do Festival Foto BSB. Vale conferir.
Muitos depoimentos circularam hoje na internet. Destacamos alguns:
Poeta Maria Lúcia Verdi:
“Acabo de saber da morte de Luis Humberto. A emoção me invade, invade a todos que conheceram seu trabalho como fotógrafo e arquiteto, a todos que o conheceram como pessoa iluminada pela inteligência e sensibilidade, em iguais proporções. Foi um gigante ao enfrentar a doença que o abateu, um exemplo. Acompanhou-o sempre a doce Marcia Noronha. Luis Humberto permanece conosco em suas obras. Descanse em paz”.
Fotógrafo José Roberto Bassul:
“Hoje perdemos Luís Humberto, um gigante na arquitetura, na fotografia e sobretudo na coragem. Na UnB desde a sua fundação, professor de arquitetura e, depois, de fotografia, foi coautor, com o grande Alcides da Rocha Miranda, do prédio da Faculdade de Educação. É de Luis Humberto, aliás, o icônico painel de azulejos do edifício, que muitos atribuem a outro grande mestre, Athos Bulcão.
Em 1965, demitiu-se da Universidade, junto com 223 professores, em solidariedade aos 15 colegas que haviam sido expulsos pela ditadura sob a acusação de serem subversivos... Só retornou nos anos 1980 em decorrência da Lei da Anistia.
Saiu arquiteto, voltou fotógrafo. E que fotógrafo imenso! Nesse intervalo, havia refundado as bases do fotojornalismo. Na Veja, onde trabalhou com Pompeu de Sousa, outro gigante, no Jornal do Brasil e por onde mais passou, enfrentou a ditadura com suas imagens irônicas e desmoralizantes. Ajudou a desnudar o fascismo que nos destruía e que agora torna a nos ameaçar.
Tive a fortuna de estar e conviver com ele em muitas ocasiões. Antes de conhecê-lo, contudo, quase morri por sua causa. Explico. Aos 14 anos, estudante de fotografia, vi uma imagem feita pelo LH que me inspirou profundamente. Era uma foto, feita de baixo para cima a partir da via S1, do talude cimentado que conduzia o olhar até o edifício do Banco do Brasil. Quis então copiá-lo disfarçadamente...
Com a câmera no rosto, caminhei em direção ao talude tentando encontrar um ângulo que pelo menos não fosse uma cópia escrachada... Não percebi que estava no meio da rua e fui violentamente atropelado. Me recuperei, mas nunca mais tentei um plágio...
Há uns três anos, contei essa história pra ele, e rimos muito! Luís Humberto foi um farol. Agora é uma estrela-guia!”
Fotógrafo Milton Guran:
“Luis Humberto revolucionou o fotojornalismo político ao desmontar visualmente a hipócrita liturgia do poder da ditadura militar. Todos nós, repórteres fotográficos que com ele convivemos em Brasília e todos os que vieram depois lhe somos devedores. Ser humano especial, ele foi uma das vozes lúcidas no campo fotográfico quando quase ninguém falava, um guia que orientou uma geração de fotógrafos em Brasília e pelo Brasil agora. Participou e fortaleceu a luta pelos direitos autorais dos fotógrafos e pela criação da União dos Fotógrafos de Brasília. Seu exemplo e sua obra ficarão para sempre. Que descanse em paz, luz eterna”.
Ator e diretor de teatro Alexandre Ribondi:
“Eu sempre pensei no Luis Humberto como Luz Humberto. Assim mesmo: uma luz elegante na cidade”.
Fotógrafo André Dusek:
“LUIS com "s" agora é LUZ com "z". Estive com Luis Humberto em outubro passado na 305 Sul para entregar meu livro OURO BRUTO retribuindo o seu livro A REFORMA DO OLHAR POSSÍVEL que ele me deu no ano anterior Devido ao isolamento social entreguei o livro pro porteiro e conversamos pela janela do apartamento. Em 2019 almocei com ele e a sua mulher Márcia. Conversamos muito, aliás eu ouvi mais do que falei diante do mestre que gostava muito de falar. Ele desde o começo da minha carreira carinhosamente me chamava de "o maior fotógrafo de Brasília" devido minha altura de 1.94m. Fotojornalistas ficamos órfãos. LH influenciou várias gerações com seu jeito diferente e ousado de fotografar o poder na época da ditadura. Ele sempre foi meu ídolo. Vai fazer muita falta”.
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Leia aqui matéria relacionada à exposição de Luiz Humberto realizada em novembro de 2018.
Lei aqui artigo de Rubens Fernandes Júnior publicado no site da Revista de Fotografia Zum
E aqui, homenagem do site O Observador