"A vida é de quem se atreve a viver".


Lula: "O que guardo dele é o exemplo singular da decência, ética, dignidade, independência e honestidade intelectual. Prova disso é que o convidei duas vezes para o STF e ele recusou, com o argumento de que não se sentia preparado para a função, praticando um desprendimento raro, mas não surpreendente vindo dele".
Lula escreve à família de Sigmaringa Seixas

Amigo do advogado Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, falecido dia 25/12 e sepultado hoje em Brasília, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, impedido de comparecer aos funerais pela juíza de Curitiba, escreveu uma carta à família do ex-deputado federal.

Dirigindo-se a Marina, esposa de Sig, como era conhecido, Lula lamenta a morte do amigo e companheiro. "Tive a honra de tê-lo como advogado, mas tive, principalmente, o privilégio de ter o Sig como amigo leal e generoso, convivendo familiarmente com você, Marina, e com nossa querida Marisa. Estes momentos são as melhores lembranças que levarei dele", escreve Lula.

O jornalista José Carlos Sigmaringa, irmão de Luiz Carlos, também escreveu sobre ele (texto publicado em seguida ao da carta de Lula)

Eis a íntegra da carta de Lula:

"Minha querida Marina,

Foi com profunda tristeza que recebi a notícia da morte de meu grande amigo e seu companheiro de vida Luiz Carlos Sigmaringa Seixas. Nosso Sig teve a delicadeza de nos deixar no dia do Natal, uma data em que a sensibilidade das pessoas está voltada para o amor e para o bem, que foram a marca de sua passagem pela Terra.

É nessas qualidades do Sig que eu e seus incontáveis amigos e amigas estamos pensando neste momento de dor. Quantos defensores da Justiça e da Democracia conhecemos pessoalmente e ao longo da história de nosso país… Mas quantos se dedicaram à causa com abnegação, desprendimento e coragem como ele?

Não consigo me recordar agora de alguém que tenha vivido por estas causas sem perder a ternura, sem abrir mão da alegria de viver, sem faltar com a generosidade e o carinho que o Sig sempre dedicou aos amigos e à humanidade em que sempre acreditou. E foi por este amor à vida e à humanidade que ele lutou até as últimas forças.

Não conheço quem tenha ouvido dele uma palavra de rancor contra os muitos que o atacaram pela coerência que herdou do pai, o Velho Sigmão, e transmitiu aos filhos queridos Guilherme e Luíza. Também desconheço algum momento em que tenha titubeado diante dos riscos e ameaças por advogar em defesa de presos políticos e militantes sindicais durante a ditadura.

Poucos hoje são capazes de avaliar os riscos que ele correu, junto com um punhado de colegas, para levantar os documentos oficiais da Justiça Militar que comprovaram a prática de torturas no Brasil. Foram cinco anos de trabalho quase clandestino que resultaram no livro “Tortura: Nunca Mais”, com provas irrefutáveis contra 444 torturadores. Este livro mudou a historiografia do Brasil.

Eleito deputado constituinte, esteve no PMDB, no PSDB e no PT, sempre coerente com seus compromissos de vida e deixando amigos por onde passou. Como agente político e homem do direito, transitou entre os grandes e foi por eles respeitado e admirado. A cordialidade e o respeito à divergência foram os traços que o marcaram em ambientes onde a vaidade e a arrogância costumam vicejar.

Tive a honra de tê-lo como advogado, mas tive, principalmente, o privilégio de ter o Sig como amigo leal e generoso, convivendo familiarmente com você, Marina, e com nossa querida Marisa. Estes momentos são as melhores lembranças que levarei dele.

O que guardo dele é o exemplo singular da decência, ética, dignidade, independência e honestidade intelectual.

Prova disso é que o convidei duas vezes para a nossa Suprema Corte e ele recusou, com o argumento de que não se sentia preparado para a função, praticando um desprendimento raro, mas não surpreendente vindo dele.

Agora ele entra definitivamente no coração dos que o amavam e o admiravam, onde viverá eternamente.

Receba todo o meu carinho nesse momento de dor e transmita este sentimento, por favor, à família e aos muitos amigos e admiradores do Sig.

A vida segue, companheiro Sigmaringa, com a certeza de que o seu sonho de um Brasil de paz, fraternidade e justiça social ainda se transformará em realidade, por obra do nosso povo maravilhoso e de pessoas especiais como você.

Saudades para sempre e um abraço carinhoso do amigo

Curitiba, 26 de dezembro de 2018.

Luiz Inácio Lula da Silva”.

Texto de José Carlos Sigmaringa Seixas:

O jornalista José Carlos Sigmaringa Seixas, também escreveu sobre o seu irmão, revelando o lado sua dedicação à vida de advogado, político e companheiro de lutas:

"Seu primeiro sonho foi ser jogador de futebol. Jogava bem, adorava jogar e jogou até quando a doença o contundiu. Mas a vida tinha outros planos para ele. Sig pai o batizou de Luiz Carlos em homenagem ao Cavaleiro da Esperança. Cedo entrou na militância política, seguindo o exemplo do pai e dos avós.

Tinha 19 anos quando houve o golpe militar de 64. Resistiu. Primeiro no movimento estudantil. Estava lá na passeata dos 100 mil. Terminou o curso na Faculdade de Direito de Niterói e veio para Brasília, onde sua família já estava morando. Desde o início da carreira se dedicou à defesa de presos políticos.

Não selecionava nem discriminava os clientes. Simpatizante do Partidão, defendeu a todos os perseguidos pela Ditadura Militar, independentemente do matiz ideológico ou posição política. Defendeu a todos. Sempre de graça.

Atuou intensamente na luta pela resistência democrática, participando dos movimentos pela anistia, organizando o Centro Brasil Democrático - Cebrad e pela representação política para Brasília. Prestava assistência jurídica a movimentos sociais, como os Incansáveis Moradores da Ceilândia e a sindicatos.

A luta pela redemocratização do país o levou a se tornar deputado já na primeira eleição em que o DF elegeu parlamentares. Sua atuação no Congresso foi reconhecida pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar - DIAP, como deputado nota 10. Constituinte, foi membro da Comissão de Sistematização da Constituição Cidadã.

Foi reeleito duas vezes. Atuava sempre na retaguarda, dedicando-se à superação das divergências para alcançar o entendimento, sempre se mantendo discreto. Gostava de ajudar a todos.

Passou pelo antigo MDB, depois PSDB e por último PT. Era íntimo dos donos do poder, mas nunca usou essa proximidade em benefício próprio. Em tempos de delações, corrupções, prisões justas e injustas, ele não foi sequer citado em inquéritos e investigações.

Morreu de complicaçōes decorrentes de um transplante de medula óssea para curar a mielodisplasia, uma pré-leucemia. Dizem que a angústia conta muito para o surgimento da doença. Acho que foi isso que o derrubou. Ele não conseguiu resistir às injustiças e traições que presenciou.

Vai, Sig, continue sendo gauche, doce, amigo e solidário! Por enquanto, estamos aqui. A luta continua, até que a morte nos reúna".

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