"A vida é de quem se atreve a viver".


Fernando Pigatto, assina documento que afirma: “Somos o segundo país com o maior número de mortes em todo o mundo (mais de 200 mil). São quase 10 milhões de pessoas com infecção confirmadas; e a maioria destas, assim como a maioria das mortes, concentram-se entre os mais pobres."
CNS: Fernando Pigatto condena negacionismo de Bolsonaro

Romário Schettino –

O presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), vinculado ao Ministério da Saúde, Fernando Pigatto, faz aqui um balanço de sua gestão, que terminará no final de 2021, e critica o negacionismo científico do presidente Jair Bolsonaro. Pigatto disse que ao colocar suas opiniões pessoais acima da vida das pessoas, Bolsonaro despreza a morte de mais de 200 mil brasileiros vítimas da Covid-19.

Pigatto divulgou hoje (7/1) a #FrentePelaVida: Nota de pesar e de indignação pelas 200 mil brasileiras e brasileiros mortos pela Covid-19. O documento é assinado por dezenas de entidades do movimento social e sindical e pode ser lido aqui.

“Somos o segundo país com o maior número de mortes em todo o mundo. São quase 10 milhões de pessoas com infecção confirmadas; e a maioria destas, assim como a maioria das mortes, concentram-se entre os mais pobres, que sempre tiveram acesso precário à saúde, à educação, ao saneamento básico e à moradia digna”, afirma o manifesto.

Segundo Pigatto, “as trocas das chefias, por divergências dos ministros da Saúde com o presidente da República quanto à importância vital das medidas de distanciamento social, o agravamento da pandemia pela reabertura de serviços não essenciais e o uso de medicamentos sem comprovação científica, evidenciam que o governo sobrepôs o negacionismo à vida da população.”

O presidente do CNS informou também que participa de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Emenda à Constituição 95/2016, “que impôs um ´teto de gastos´ para as políticas sociais por 20 anos, prejudicando gravemente o SUS, ainda mais em contexto de pandemia de Covid-19”.

A seguir a íntegra da entrevista:

Como o Conselho Nacional de Saúde (CNS) tem atuado junto ao Ministério da Saúde durante a crise sanitária provocada pela pandemia do coronavírus?

O CNS vem produzindo uma série de documentos para órgãos do Executivo, Legislativo e Judiciário, conselhos estaduais e municipais de saúde e para a população em geral. Assim como recomendações, notas públicas, moções, pareceres técnicos, campanhas, manifestos, cartas e solicitações de informações. Além de encontros virtuais transmitidos simultaneamente pelas redes sociais com convidados externos, articulações e conversas com a Rede de Conselhos de Saúde, movimentos sociais, Ministério Público, Comissões Externas do Congresso Nacional que acompanham ações de combate a Covid-19 e outras instituições comprometidas com estratégias de enfrentamento à pandemia.

Cumprindo a atribuição de acompanhar a execução orçamentária do Ministério da Saúde, o CNS, por meio da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento (Cofin), tem divulgado semanalmente o “Boletim Cofin”, que contém informações sintéticas sobre a evolução dos gastos federais do SUS para combate a pandemia, oferece subsídios técnicos que dão suporte às ações públicas e tomadas de decisão, além de auxiliarem a imprensa e a população na compreensão de como os recursos estão sendo utilizados. Observou-se nesse período que, mesmo com a crise sanitária, houve morosidade excessiva na execução orçamentária.

Pautada pela ciência, com as finalidades de salvaguardar os direitos e a dignidade dos sujeitos participantes de pesquisas clínicas; e de contribuir para a qualidade dos estudos para desenvolvimento social da comunidade, a Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (Conep) do CNS divulga, também semanalmente, a edição especial do Boletim Ética em Pesquisa, dando transparência aos protocolos de pesquisas científicas relacionadas ao coronavírus no Brasil, a toda sociedade brasileira.

Com o recrudescimento da pandemia no último período, por exemplo, o Conselho publicou, em 22 de dezembro, uma carta aberta à população brasileira com o objetivo de ampliar ainda mais o diálogo com a população diante da gravidade que o país enfrenta por conta da pandemia e alertando sobre as responsabilidades do Estado Brasileiro.

Os conselhos regionais estão atuando em conjunto com o CNS? As reuniões são realizadas de que maneira? Qual a periodicidade?

Ao longo de 2020 o CNS realizou encontros online com representantes dos Conselhos Estaduais de Saúde (CES), com o objetivo de alinhar estratégias de fortalecimento das ações do controle social da saúde diante da pandemia. Os CES são as bases de apoio para os Conselhos Municipais de Saúde (CMS) e nós, enquanto controle social, temos um papel constitucional muito forte de acompanhamento e monitoramento das políticas de saúde.

Além disso, o CNS contribui periodicamente com instrumentos e ferramentas, enviadas para toda a rede de conselhos que servem como subsídios para reforçar o papel do controle social no enfrentamento à pandemia nos estados e municípios.

O ministro da Saúde, ou seu representante, tem participado das reuniões? O Ministério da Saúde tem fornecido informações confiáveis sobre o número de infectados e o número de mortos? Como o CNS tem reagido às constantes trocas de ministros?

O Ministério da Saúde tem representante em todos os espaços do CNS, no seu colegiado, na sua Mesa Diretora e nas várias Comissões e Câmaras Técnicas. Desde sempre, o CNS como órgão legalmente responsável pela fiscalização e monitoramento das ações do Ministério da Saúde e da Saúde pública, têm exigido que a pasta mantenha coerência com as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e dos órgãos de defesa dos direitos humanos, reafirmando a necessidade das medidas de isolamento, valorizando a ciência, a pesquisa clínica e social baseada na determinação social do processo saúde-doença.

As trocas das chefias, por divergências dos ministros com o presidente da República quanto à importância vital das medidas de distanciamento social, o agravamento da pandemia pela reabertura de serviços não essenciais e o uso de medicamentos sem comprovação científica, evidenciam que o governo sobrepôs o negacionismo à vida da população.

Em vez de buscar a solidez de uma gestão suprapartidária e acima de qualquer lobby do setor financeiro e econômico, em especial diante da grave crise que vivemos, o chefe de Estado insistiu e insiste em defender o indefensável, em buscar benefício político pessoal, ausentando-se da responsabilidade com o povo brasileiro, incitando e participando inclusive de manifestações com aglomerações em seu apoio. Ficou explícito que o governo atual não se importa que suas mãos estejam sujas do sangue de tantas famílias no nosso país que estão enterrando seus entes queridos.

Saúde é uma política de Estado, não uma política de governo onde o(a) gestor(a) muitas vezes executa aquilo que deseja conforme seus interesses políticos, econômicos ou pessoais. Reafirmamos a defesa do SUS público, estatal, com financiamento suficiente e adequado às necessidades sociais, com participação social e garantia a proteção da população brasileira não só em momento de pandemia, mas em qualquer período da história.

O governo Bolsonaro tem sido bastante criticado pelo seu negacionismo científico. Como o CNS trata esse tipo de postura dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário?

Número de óbitos omitidos, flexibilização de medidas de isolamento indo contra as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), trocas consecutivas de ministros da Saúde em meio ao cenário emergencial, estímulo a manifestações que apoiam a ditadura militar, desrespeito aos profissionais de imprensa e ao serviço público, negação da ciência e das evidências técnicas, indicação da Hidroxicloroquina/Cloroquina sem estudo concluído que comprove eficácia diante da Covid-19. Essas são apenas algumas das práticas atuais de descaso do Estado.

São mais de 200 mil mortes registradas desde o início da epidemia no Brasil. É estarrecedor o descaso e o desprezo pela vida dos brasileiros por parte das autoridades máximas do governo federal, particularmente do presidente, que não levam em conta as orientações científicas e das organizações de saúde. A grande maioria dos brasileiros infectados e mortos encontra-se entre os segmentos mais pobres, que sempre tiveram acesso muito precário à saúde, à educação, ao saneamento básico e à moradia digna. E o Brasil continua a repetir, no cenário da pandemia, as políticas públicas que cavam o fosso da desigualdade e da injustiça no país.

O CNS tem participado de alguma ação judicial para garantir saúde para todos como manda a Constituição e o SUS?

Três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Emenda Constitucional 95/2016, que impôs um “teto de gastos” para as políticas sociais por 20 anos, prejudicando gravemente o SUS, ainda mais em contexto de pandemia de Covid-19. Em abril de 2020, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) entrou com um pedido ao STF para se tornar amicus curiae (colaborador) das ADIs nº 5715, 5658 e 5680. No mês de maio de 2020, o STF aceitou o pedido.

As ADIs pedem a suspensão e revogação imediata da emenda que impôs o “teto de gastos” e congelou os investimentos em políticas sociais até o ano 2036. A amplitude da representatividade do CNS é fundamental para contribuir com o debate técnico e qualificado acerca da Emenda Constitucional 95. As ações que tramitam no STF já utilizam dados do Conselho para subsidiar a justificativa de inconstitucionalidade.

Além disso, nos últimos meses, mobilizamos a sociedade para a petição pública O SUS Merece Mais em 2021. Com cerca de 600 mil assinaturas, o abaixo-assinado tem o objetivo de sensibilizar deputados e senadores para que seja aprovada a continuidade do orçamento emergencial da Saúde, agora em 2021. A petição seguirá recebendo assinaturas até a votação da Lei Orçamentária (LOA), que será analisada no retorno do recesso parlamentar.

A petição também pede a revogação da Emenda Constitucional 95/2016. Leia aqui a íntegra da petição.

Qual a opinião do senhor sobre o trabalho da OMS?

A Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) é um dos seis escritórios regionais da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nós, do CNS, reiteramos constantemente a importância da OPAS/OMS para a saúde, não só do povo brasileiro, mas de toda a América e nos posicionamos contra qualquer iniciativa que a enfraqueça. 

Em um momento particularmente difícil como o atual, em que os sistemas de saúde devem ser fortalecidos para o enfrentamento da pandemia, a relevância da OPAS para os países americanos e da OMS para todos os países cresce ainda mais. Qualquer agressão a estas instituições é uma ameaça ao sistema público de saúde e no Brasil ameaça especialmente usuários em tratamento de câncer, de doenças autoimunes, de doenças reumáticas, de certas hepatites virais, assim como para o fornecimento de vacinas.

O senhor acredita que esteja havendo algum tipo de uso político da Anvisa? Como o trabalho da agência é acompanhado pelo CNS?

A Anvisa tem papel estratégico para o controle social na saúde. Ao desenvolver a regulação sanitária visando a segurança, a qualidade e a eficácia comprovada de bens e serviços para eliminar ou diminuir os riscos à saúde da população, a Agência deve atender aos interesses do povo.

Precisamos preservar as instituições de qualquer disputa política-ideológica, guerra de vaidades, que às vezes beiram crimes e irresponsabilidades, seja por quem quer travar o desenvolvimento de vacinas ou acelerar demais o processo para lucrar politicamente. Precisamos seguir a ciência, toda e qualquer vacina com sua eficiência comprovada cientificamente tem que ser disponibilizada para a população brasileira para combatermos à Covid-19.

O senhor acredita que os Estados e municípios estão agindo como deveriam no caso da pressão sobre a liberação da vacina?

A maior atuação dos estados e municípios foi reflexo da falta de apresentação de um Plano Nacional de Vacinação contra à Covid-19 por parte do governo federal. O documento foi lançado tardiamente e em versão preliminar no último dia 16 de dezembro. Já havíamos apontado no meio de 2020 a necessidade de um plano nacional de enfrentamento a pandemia onde constava o fortalecimento do Programa Nacional de Imunização (PNI) e da definição de estratégias para garantir o direito à vacinação para toda população, com a maior brevidade possível. O plano apresentado agora é incompleto e, por exemplo, não contempla todos os grupos prioritários, tanto que fizemos uma recomendação que mostra, em oito pontos, orientações para o seu aprimoramento.

O controle social do SUS tem se posicionado pelo direito de toda população brasileira ter acesso à vacinação durante 2021, com a efetivação de um Plano Nacional que apresente um cronograma que garanta inicialmente aos grupos prioritários esse direito.

Também recomendamos que a pasta da Saúde não inclua exigência de assinatura de um “termo de responsabilidade individual” para as pessoas que se submeterem à vacinação contra a Covid-19, porque não existe qualquer justificativa técnica e científica para que seja transferida para a população uma responsabilidade que cabe ao Estado brasileiro, por meio da avaliação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Leia aqui a integra da Recomendação.

Que tipo de trabalho o CNS tem feito para ajudar na divulgação correta do uso da vacina e de sua importância no combate ao coronavírus?

O CNS defende que o Ministério da Saúde viabilize, de forma imediata, a estratégia de comunicação prevista no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19. Além disso, também recomendamos ao MS que esta campanha deve reforçar o caráter obrigatório da vacinação; que vacinar-se é um ato solidário; que sejam mantidas as medidas preventivas (uso de máscaras, lavagem das mãos, distanciamento social e não aglomerações) por parte de toda a população, mesmo as pessoas vacinadas; e que, embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais para que haja a preservação da vida humana.

O senhor acha que a vacinação pode e deve ser obrigatória e para todos? O que ainda precisa ser feito para combater a desinformação?

Com certeza. A saúde é reconhecida no Brasil, de forma constitucional, como um direito de todas e todos e dever do Estado. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Brasil faz parte do SUS e é um dos maiores do mundo, ofertando 45 diferentes imunobiológicos para 212 milhões de pessoas, contemplando crianças, adolescentes, adultos, idosos, gestantes e povos indígenas, sempre de forma gratuita.

No caso do Plano Nacional de Vacinação contra a COVID-19, o CNS tem feito recomendações ao Ministério da Saúde para ampliá-lo de forma a atingir toda a população até que o país alcance a endemicidade ou a interrupção da circulação do vírus mesmo que a estratégia tenha que ser escalonada por grupos prioritários.

Também, ampliar a lista de grupos prioritários na vacinação contra a Covid-19, incorporando outros grupos populacionais que são mais vulneráveis a pandemia como a população indígena não aldeada, que vive nas cidades e em acampamentos próximos às cidades; a população dos campos, águas e florestas; os povos ciganos; as pessoas com deficiência, não somente com deficiência permanente severa; os cuidadores/as de pessoas com deficiência; os jovens em medidas socioeducativas; as pessoas inseridas em comunidades terapêuticas; as pessoas em atendimento nos espaços de saúde mental; e as populações submetidas à vulnerabilidade socioeconômica - condições precárias de moradia; falta de acesso à água e saneamento básico; falta de acesso ou acesso precário ao sistema de saúde e a leitos de tratamento intensivo.
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Acesso ao site do Conselho Nacional de Saúde aqui

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