João Lanari Bo -
William Carlos Williams era um sujeito que levava uma vida pacata em Paterson, no estado de Nova Jersey, perto de Nova York. Era pediatra e atendia muita gente de graça. Era também um formidável poeta, uma espécie de paraninfo do modernismo literário americano.
Leitor de James Joyce, TS Elliot e Ezra Pound, Williams despojou o verso de parafernálias e trouxe a linguagem para o entorno imediato.
Acabou produzindo um extraordinário exercício musical, como definiu um crítico, que mistura o mais delicado lirismo de percepção e sentimento com a mais dura e pura realidade próxima.
Paterson é talvez o seu poema mais ambicioso, um mapeamento sentimental e desdramatizado da cidade, da cachoeira aos entreatos dos habitantes.
Paterson é também o filme que Jim Jarmusch realizou (em exibição no Cine Cultura do Liberty Mall), uma crônica com minúcia lírica do cotidiano absolutamente banal de um motorista de ônibus, e sua esposa dotada de transbordante temperamento artístico.
Jarmusch é o diretor ideal para filmar um plot ao sabor de William Carlos Williams. O motorista é poeta, circunspecto e gentil, atencioso e distraído.
Tem o incrível dom de transformar esse entorno imediato em matéria poética (os versos são de Ron Padgett, outro lírico que trafega na veia de Williams).
A esposa, em uma “redeeming feature” inesperada, é sua maior admiradora (talvez a única).
O desenrolar da história, enfim, é apenas um pretexto para nosso motorista elaborar seu material e inscrever as palavras.
Alguns poucos personagens complementam a galeria, até mesmo o cachorro, parecem dialogar nesse mundo onde as palavras alçam vôo e pousam com graça e elegância, sem espalhafato.
Nada acontece e tudo acontece. Um encontro com uma adolescente revela uma fraternidade poética, e outro com um japonês desvela uma comunhão literária.
Paterson funciona com antídoto para a vertigem digital de imagens que assola a cidadania. Uma caixinha de fósforo também serve para fazer poesia, enfim.