Retrospectiva completa e exibição de obras raras do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, de 3 a 29 de maio. Programação inclui obras-primas como “A Noite”, “O Eclipse”, “Blow-Up – Depois Daquele Beijo”, “Zabriskie Point” e “Passageiro, profissão: Repórter”. Agende.
Criador de filmes ‘visionários’, segundo o sueco Ingmar Bergman, Michelangelo Antonioni (1912 – 2007) marcou a história do cinema com um estilo único, que incluía poucos planos, diálogos sucintos, longas e belas sequências, espaços para a contemplação, para o silêncio, para o respiro dos espectadores.
A obra desafiadora deste mestre do cinema estará agora ao alcance do espetador. A mostra Aventura Antonioni vai exibir uma retrospectiva completa do realizador que conquistou todos os principais prêmios do cinema mundial.
Realizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil, a mostra poderá ser vista de 3 a 29 de maio, no Cinema do CCBB.
A curadoria é de Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida e produção da Voa Comunicação e Cultura.
Serão ao todo quatro semanas de exibição, com títulos em formato 35mm e arquivo digital, em cópias diretamente cedidas pela Cinecittá Luce.
A retrospectiva completa do diretor, roteirista e produtor Michelangelo Antonioni contempla desde o início da carreira, com seus pouco vistos curtas-metragens documentários, até as colaborações finais com cineastas como Wim Wenders (“Além das Nuvens”), Steven Soderbergh e Wong Kar-Wai (“Eros”), passando pela fase mais conhecida, de obras-primas como a “trilogia da incomunicabilidade” (“A Aventura”, “A Noite” e “O Eclipse”) e chegando a títulos que marcaram a história do cinema como “Deserto Rosso – O Dilema de uma Vida”, “Blow-Up – Depois Daquele Beijo”, "Zabriskie Point” e “Passageiro, profissão: Repórter”.
Além destes, Aventura Antonioni contempla filmes dos quais o diretor participou de algum modo, como Um Piloto Retorna (assina o roteiro), Abismo de Um Sonho (que foi inspirado em seu curta L'amorosa Menzogna), Trágica Perseguição e Tempestade (assistente de direção).
As exibições serão acompanhadas da aula magna Antonioni Overground, no dia 19 de maio, a partir das 19h, ministrada pelo crítico italiano Adriano Aprà, um dos maiores historiadores italianos e nome fundamental da crítica europeia desde os anos 1970.
A aula terá entrada franca, mediante a retirada de senhas na bilheteria, que começam a ser distribuídas uma hora antes do início da sessão.
Também como atividade inclusiva e entrada franqueada ao público, a mostra Aventura Antonioni realizará sessão especial do filme “Amores na Cidade”, com audiodescrição e closed caption, na quarta, dia 17/5, às 15h. Interessados deverão retirar senhas na bilheteria do Cinema do CCBB, com uma hora de antecedência.
E no dia 22, às 19h, um debate reunirá os professores Mike Peixoto, pesquisador de estética e teoria cinematográfica, e João Lanari Bo, escritor e autor do livro Cinema Japonês, com mediação do curador Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida. O debate terá tradução em libras e entrada gratuita.
Aventura Antonioni inclui ainda um catálogo feito a partir de um intenso trabalho de pesquisa sobre a obra do cineasta, com fotos, fichas técnicas, filmografia comentada e textos sobre o universo de Michelangelo Antonioni.
A obra contém artigos críticos e configura-se como verdadeiro legado da mostra, fonte de pesquisa bibliográfica no Brasil, com ensaios e entrevistas.
O catálogo será editado pelo crítico italiano Adriano Aprà. O lançamento ocorrerá em 19 de maio, no mesmo dia da aula Antonioni Overground.
Um cinema que ressoa
Detentor dos maiores prêmios dos principais festivais de cinema do mundo, responsável por dar início ao que a crítica chamou de “segunda fase do neorrealismo italiano”, Michelangelo Antonioni ajudou a definir o filme como uma arte moderna.
Seu cinema, difícil de catalogar, influenciou uma geração de realizadores e abriu espaço para a abordagem das complexidades da vida de personagens da era contemporânea.
Roland Barthes, o grande crítico, sociólogo, escritor e filósofo francês defendeu, em 1980, durante cerimônia em que Antonioni foi premiado com o Archiginnasio d’oro, de Bolonha, três virtudes em Antonioni: observação, sabedoria e fragilidade.
Por observação, segundo Barthes, entende-se o dom do diretor em examinar e olhar o mundo detidamente, ao invés de tentar muda-lo. Antonioni trabalhava as sutilezas do que é dito e visto, como se o sentido de seus filmes continuasse mesmo depois da saída do cinema.
A sabedoria de Michelangelo Antonioni, para Barthes, era que o diretor estava convencido de que não existia uma só verdade e sim que esta oscila no decorrer da experiência humana. Então, ao mesmo tempo em que as imagens de seus filmes não ocultam nada, tampouco são óbvias. Sempre há mais a ser dito e refletido.
Por fim, Barthes defende a fragilidade como virtude em Antonioni, já que o diretor correu sempre o risco de fazer tombar certezas convencionais. E, para o filósofo, a atividade do artista desperta receio justamente por perturbar a comodidade, a segurança e a opinião unânime.
Michelangelo Antonioni admitia sua necessidade de expressar a realidade para além dos termos estritamente realistas. Ele não explorou a livre fantasia, como seu contemporâneo Federico Fellini (1920-1993), nem se ajustou a um realismo duro e popular, como o Roberto Rossellini (1906-1977) de Roma, cidade aberta (1945) – embora seu primeiro trabalho, o documentário Gente do Pó (1943-1947) tenha sido precursor do neorrealismo italiano.
O primeiro filme de ficção de Antonioni, Crimes da Alma (1950) inaugurava uma segunda fase do celebrado movimento italiano, dando mais atenção à psicologia dos personagens.
Antonioni foi um dos observadores mais incisivos das ambiguidades da vida moderna. Seus filmes defendem liberdade dos clichês morais e abordam as ambivalências e confusões enfrentadas pelas personagens mais do que a mera sobrevivência.
Para abordar esta temática sutil, ele desenvolveu um estilo visual e auditivo único.
Desde o primeiro momento, o cinema de Antonioni continha planos audaciosos e exercícios de montagem, já presentes em Crimes de Alma – o filme contém ¼ da média habitual de planos de um filme de Hollywood na época.
Muitos são os filmes de Antonioni que estão na galeria dos mais importantes da história do cinema. A começar pela “trilogia da incomunicabilidade”, formada pelos filmes “A Aventura” (1959), “A Noite” (1960) e “O Eclipse” (1961). Depois, o angustiado “Deserto Vermelho” (1964), também com Monica Vitti; o intrigante “Blow Up – Depois Daquele Beijo” (1966), com uma livre adaptação do conto Las Babas Del Diablo, de Julio Cortázar; o apocalíptico “Zabriskie Point” (1969); o extraordinário Passageiro: Profissão Repórter (1974), com Jack Nicholson numa de suas maiores performances; “O Mistério de Oberwald” (1980), sua experiência em vídeo; e “Uma Mulher” (1982), que marcou seu retorno ao universo feminino que ele abordou como poucos.
Em 1985, Antonioni sofre um AVC que o deixa praticamente sem fala. Mas o diretor não para de produzir e assina outras sete obras antes de falecer aos 94 anos em 2007. Numa parceria com Wim Wenders fez “Além das Nuvens” (1995), adaptação de um texto próprio, Bowling Sul Tevere, protagonizado por John Malkovich.
Já doente, em cadeira de rodas, faz questão de prestigiar a exibição do filme “Eros”, em 2005, seu último trabalho, partilhado com Wong Kar Wai e Steven Soderbergh, no qual assina o episódio “O Fio Perigoso das Coisas’.
Michelangelo Antonioni
Michelangelo Antonioni nasceu em 29 de setembro de 1912, de uma família de classe-média, na cidade de Ferrara.
Estudou economia na Universidade de Bolonha, onde co-fundou um grupo teatral.
Enquanto se dedicava à pintura e trabalhava em diferentes posições da indústria cinematográfica, Antonioni escrevia críticas para a revista “Cinema”, editada por Vittorio Mussolini, filho do Duce, que reuniu em seus quadros a geração que iniciaria o neorrealismo após a Segunda Guerra Mundial: Giuseppe De Santis, Carlo Lizzani, Luchino Visconti, Roberto Rossellini e Federico Fellini.
Em 1947, Antonioni dirigiu seu primeiro filme, o curta-metragem documentário “Gente do Pó”, retrato dos pescadores do vale do Pó onde ele cresceu.
Insatisfeito com os rumos neorrealistas do cinema italiano, ele dirigiu uma série de curtas documentários oblíquos e excêntricos, que revelavam seu desejo de explorar os mistérios da psique interior das personagens.
A consagração internacional de Michelangelo Antonioni ocorre no Festival de Cannes de 1960, quando, em meio a vaias do público e aplausos entusiasmados de colegas artistas e cineastas, apresentou “A Aventura”, com o qual ganhou o Grande Prêmio do Júri.
Com “A Noite” e “O Eclipse”, todos realizados com a então companheira Monica Vitti, “A Aventura” compõe a chamada “trilogia da incomunicabilidade”, considerada um dos momentos mais altos do cinema em todos os tempos.
Junto com Robert Altman, Michelangelo Antonioni é o único diretor a vencer os três maiores prêmios do cinema europeu: a Palma de Ouro em Cannes por “Blow-Up – Depois daquele Beijo”, o Leão de Ouro em Veneza por “Deserto Rosso – O Dilema de Uma Vida”, e o Urso de Ouro em Berlim por “A Noite”.
Em 1995, o diretor recebeu um Oscar pelo conjunto de sua obra, “como sinal de reconhecimento a um dos mestres do estilismo visual”.