Luís Turiba –
Entre tantos negros poetas e combatentes que passaram (e passam) pela minha existência deixando marcas, ensinamentos e aquele axé de luz, resistência e consciência, escolhi esse gaúcho porreta que inventou lá no início dos anos 70, essa história de transformar o 20 de novembro na data nacional marcante da Consciência Negra no Brasil.
Falo do poeta Oliveira Silveira, autor do histórico Poema sobre Palmares.
Nos pés 🦶🏿 tenho ainda correntes,
nas mãos ainda levo algemas
e no pescoço gargalheira,
na alma um pouco de banzo
mas antes que ele me tome,
quebro tudo, me sumo na noite
da cor de minha pele,
me embrenho no mato
dos pelos do corpo,
nado no rio longo
do sangue,
vôo nas asas negras
da alma,
regrido na floresta
dos séculos,
encontro meus irmãos,
é Palmar,
estou salvo!
O poema diz logo ao que veio: pé no chão, na real, mato, fuga, resistência e união. Era assim que Zumbi queria, foi assim que o poeta marcou seu sofrido grito-verso de porrada que criou a data da Consciência Negra.
À construção deste verso, segundo o livro do mesmo nome, durou 15 anos entre pesquisas e buscas. Nos agradecimentos, Oliveira se refere ao poeta paulista Cuti “pela análise do texto e sugestões”
Recentemente remexendo em caixas antigas de livros achei essa preciosidade com autógrafo de tudo. Reli o poema, pois trata-se de um épico ópera, um poema-síntese cantado no sonoro gauchês nagô para quem dança ijexá aos orikis dos orixás.
Um poema padê pra Exu, Ogun, Oxun, Iansã, Oxossi e Xangô. Um poema-sopro liberdade.
Não tenho a certeza, mas sou capaz de apostar que tive a bênção de assistir Oliveira recitar no seu doce canto de sabedoria este petardo.
A impressão que me ficou é que éramos amigos ancestrais, de séculos passados. Quem sabe não viemos juntos em algum negreiro que atravessou o Atlântico?! Ou fugimos da senzala para subir a serra da Barriga, onde o quilombo foi montado. Era uma conversa que não tinha fim - nem nunca terá. Axé Oliveira Silveira, planta rara e exemplar.