Luiz Martins da Silva –
Há dia para tudo. Do rádio, por quê não? Então? Ele tem origem no Sol, pois as ondas de rádio fazem parte do espectro das radiações solares. Cientistas descobriram como aproveitá-las nas comunicações, como telégrafo sem fio (“radiotelegrafia”). Desafio, entender como uma transmissão feita do outro lado da Terra podia chegar, por exemplo, ao Brasil. As ondas curtas propagam-se em L, batem na ionosfera e rebatem em ângulo aberto para o outro lado.
Nos primórdios dos anos 1900, o maior renome, entre os “inventores” do rádio coube a Guglielmo Marconi (1874-1937), mas o primeirão nas transmissões teria sido um padre brasileiro, Roberto Landell de Moura (1861-1928). Ele transmitiu sons e sinais telegráficos pelas ondas eletromagnéticas, um precursor, portanto, do rádio e do telefone (1893).
Coube a Marconi, no entanto, maior prestígio, enriquecimento e proezas, como a ligação, desde Roma, das luzes do Cristo Redentor, quando de sua inauguração, em 1931. Na verdade, no dia seguinte. Um temporal impediu a conexão no momento preciso.
Tal como a internet, o advento do rádio foi uma grande revolução, mais ainda, quando inventado o transístor, minúsculo engenho eletrônico a substituir as antigas válvulas, campânulas com filamentos, semelhante a lâmpadas. Com o transístor, o rádio tornou-se portátil, acompanhando as pessoas em qualquer lugar, no banheiro, no carro e, hoje, no celular.
Nos sertões, serras e desertos profundos, as comunicações sem fio eram feitas por outro tipo de frequência, aquela operada pelos radioamadores. Eles captaram, por exemplo, o bip emitido pelo Sputnik, o primeiro satélite artificial a circular em torno do Planeta Terra. Já a frequência modulada (FM), parecia, inicialmente, não ter proveito comercial. Ora, ora.
Coisa recente, aplicativos para celular permitem a sintonia de qualquer emissora digitalizada do Planeta. Eu, por exemplo, freguês antigo das transmissões internacionais, capto rádios da Groelândia. Não entendo uma única palavra na língua dos esquimós, o inuíte, mas, deixaram escapar uma sílaba, “OK”. Como gosto de fado, agora, bem perto do ouvido centenas de rádios portuguesas. O Brasil tem mais de 3.200 emissoras FM. Difícil é encontrar aquelas que não estão 24 horas a serviço da música sertaneja (a ruinzinha) e das pregações religiosas.
A onda mais recente é a audiência aos podcasts, narrações de fatos e variedades que ficam para serem acessados a qualquer hora. O rádio “ao vivo”, porém, permanece como a essência dessa “mídia”, inclusive, transmissões de futebol. Pessoas mais velhas hão de se lembrar do seguinte bordão: “Veja o jogo, ouvindo a Rádio Globo”. Lembro-me de um anúncio mostrando um torcedor, numa arquibancada, de costas para o campo, radinho colado ao ouvido. Outra face do rádio antigo a nunca se ausentar, os pedidos musicais e as prosaicas dedicatórias: para mim, para minha mãe, meu pai, minha tia e para você (o apresentador).
A Constituição brasileira prevê uma complementaridade entre os sistemas de concessão privada, estatal e pública e prioridade para jornalismo, educação e cultura. A esmagadora distribuição é comercial. Educativas, em fase de fechamento, pelo próprio governo. Públicas, algumas estatais que se apresentam como públicas, nada como uma BBC, a transmitir para o Reino Unido, na trilogia informação-educação-diversão, para os ingleses e para o mundo inteiro, desde 1922. No Brasil, desde 1938. Num país quase continental, o rádio foi no Brasil um fator de integração, música, novelas e revelação de ídolos, especialmente entre as décadas de 30 e 50. Há vários filmes sobre essa “era de ouro”, entre eles, um com Nara Leão, Maria Bethânia e Chico Buarque.
Nas grandes cidades, o rádio é também um prestador de serviços, o primeiro a dar informações “quentinhas” sobre o que ocorre no Brasil e no mundo e também logo ali, à frente, a batida, o engarrafamento, a previsão do tempo e as queixas do público sobre as penúrias do cotidiano: do péssimo atendimento nos postos de saúde e emergência, ao acúmulo de lixo no baldio mais próximo, servindo de criatório de mosquitos e atrativo para ratos e mau cheiro. Um mesmo programa coloca uma autoridade pública a responder perguntas do público e a prestar contas sobre os buracos nas pistas.
Às vésperas do Natal passado, em meio ao fuzuê das compras de presentes, passei por perto das novidades do box do “Seu João” na Feira Coberta de Sobradinho. “Olhe, venha ver”. Ele tem sempre uma belezura a apresentar. Qual? Tomei um susto, achando que ele estava vendendo antiquíssimos aparelhos de rádio, daqueles que ficavam na sala de visita, sobre toalhinha de renda e sob os mais velados zelos. Que nada, só fachada. Simulacros novinhos, com entradas USB e sistema de gravação e reprodução. Em síntese, rádio antigo e digital. Nada a proporcionar algo de que ouvi falar na infância, a história de um homem que levara o seu aparelho para conserto, mas voltara sem os mesmos locutores que falavam tão bem e as mesmas cantoras que cantavam tão lindamente.