Antônio Carlos Queiroz (ACQ) -
Esta é a segunda entrevista da oitava edição do Guia Musical de Brasília, que acaba de ser publicada em forma impressa.
Há um ano e meio, da última vez que nos encontramos pessoalmente, o Joel de Oliveira estava eufórico, talvez um pouco mais do que o normal. Barco à deriva, música que ele tinha composto em parceria com o violonista Sthel Nogueira, e que fora inspirada por um amigo que finalmente havia encontrado o amor de sua vida, estava com a estreia marcada para dali a alguns dias no Empório Minas 104, na Asa Norte.
O evento marcaria um grande passo em sua carreira de cantor e produtor musical, essa era a razão da euforia. O programa que ele vinha desenvolvendo no Empório seria descontinuado a seguir porque o estabelecimento tinha sido vendido, mas já estava acertada a sua migração para outro restaurante quase vizinho, o Esquina 104. Enquanto isso, ia de vento em popa o projeto Música e Poesia para Todxs, que Joel produzia há quase três anos com a Banda Top Três no Feitiço Mineiro, na 306 Norte. Ali ele dava oportunidade para cantores amadores e poetas já escolados se apresentarem todas as segundas-feiras.
Naquela altura dos acontecimentos, não podíamos prever que o próprio Brasil iria se tornar um barco à deriva em meio ao vendaval da pandemia da Covid-19, nem que os projetos do Joel, e os de toda a torcida do Flamengo, diga-se, seriam interrompidos nos meses seguintes. Em meados de maio, quando nos preparávamos para relançar o Guia Musical de Brasília, tivemos a grata satisfação de saber que o Joel não apenas havia sobrevivido à tempestade como já estava reparando o seu próprio barco num estaleiro.
Novo empreendimento - Como é do conhecimento de todo mundo, o Feitiço Mineiro encerrou as suas atividades comerciais, também em consequência da crise da pandemia. Em contrapartida, a notícia boa é que o Joel, em associação com Alexandre Silveira de Oliveira e Jerson Alvim, constituíram uma empresa, a AJJ Restaurante e Realizações Artísticas Limitada, para tocar um restaurante no mesmo endereço, com o nome Feitiço das Artes. Sem ser seu sucessor, o novo Feitiço pretende preservar a tradição culinária e cultural do antigo estabelecimento, mantendo, com prioridade, o projeto Música e Poesia para Todxs. Por óbvio, o ritmo do relançamento dependerá do comportamento do coronavírus e das decisões das autoridades sanitárias.
A história de Joel em Brasília tem elementos em comum com outros músicos que foram transferidos de seus empregos no Rio de Janeiro. Natural de Campo Grande, Zona Oeste do Rio, ele se mudou para o Distrito Federal em janeiro de 1977. Tinha acabado de sair da Petrobras e veio para Brasília para trabalhar na Portobrás. Tinha se casado há uma semana, e por isso os seus dois filhos nasceram candangos.
O gosto pela música ele herdou do pai, “que batia umas cordazinhas de violão”. Foi também incentivado por um professor de inglês, que organizou um festival da canção no Colégio Freire Alemão, onde cursava o antigo Científico, hoje Segundo Grau. Por uma razão que já revelava os seus dotes, Joel foi o apresentador do festival e, ainda por cima, compôs o jingle do evento.
Já em Brasília, as suas primeiras apresentações como crooner foram viabilizadas pelo amigo Sérgio, do Madureira Exporta Samba. Depois teve a oportunidade de cantar aos sábados num programa da Rádio Nacional. Em 1979, cursando ciências sociais no Ceub, integrou-se ao coral do Centro de Cultura do Centro-Oeste, então dirigido por sua amiga Sônia Ferreira.
Desse coral sairia um grupo que concorreu ao primeiro festival da canção organizado pela Caixa Econômica Federal, em 1981. Joel foi o intérprete do grupo, classificado em primeiro lugar com a canção A Ilha, de autoria de Duílio Cury. Ele diz ter muito orgulho do prêmio até hoje, também porque o festival foi presidido pelo jornalista Irlam Rocha Lima, “essa figuraça da cultura musical do Correio Braziliense”, diz ele.
Moinho - Após o festival, conta Joel, seguiu-se uma pausa, quebrada volta e meia em alguns karaokês. Até que, junto com o violonista profissional Beto Cardoso, também carioca, que havia acompanhado Tim Maia, Emílio Santiago, Alcione etc, organizou um projeto chamado O Mundo é um Moinho, cujo objetivo era resgatar músicas antigas e de qualidade. No curto período em que existiu, coisa de seis meses a um ano, ele não soube precisar, “o projeto se apresentou bem”.
Mais tarde, já no início de 2016, Joel lançou o projeto Música e Poesia para Todxs, com a banda Top Três, formada por Beto Cardoso, Manga Batera e Zambinha Baixista.
Diferentemente do anterior, que organizava shows de músicos profissionais, o novo projeto foi criado “para dar oportunidade a quem gosta de cantar e que por uma razão qualquer nunca se inseriu no contexto musical de Brasília”, diz Joel. A iniciativa “fez com que as pessoas percebessem (o mundo da música) e se percebessem (como artistas)”, completa.
Segundo Joel, o projeto, “no qual predomina a boa e velha MPB”, foi viabilizado no Feitiço Mineiro graças à sensibilidade de seu produtor, Jerson Alvim. E teve a grande sacada de agregar a poesia à música, atraindo muitos poetas que há tempos militam no cenário cultural do Quadradinho.
Joel chama atenção para um detalhe do nome do projeto. Na palavra “todos” o segundo “o” foi trocado pelo xis, “flexão de gênero”, diz Joel, “onde cabe todo mundo, de todas as idades, de todos os sentimentos, porque a gente quer um ambiente quase sagrado nos quesitos alegria, respeito e paz. Não é fácil de alcançar, mas é a nossa proposta”.
Agora é esperar a calmaria para ver esse barco singrando de novo!