Os amigos chamam Ademir Júnior de camaleão por ele transitar em vários estilos
Impromptu

Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –

Esta é a terceira entrevista da oitava edição do Guia Musical de Brasília, que acaba de ser publicada em forma impressa.

No senso comum a ideia de improvisação remete às gambiarras, coisas mal feitas, realizadas às pressas. Em música ou no teatro, porém, o sentido é o da obra aberta na qual se mobilizam ao máximo os recursos dos artistas para a criação durante a performance. Improvisação aqui significa criar de maneira instantânea, em oposição, embora não absoluta, à composição, de maturação mais demorada.

Bach, Mozart, Beethoven, Schubert e Chopin são exemplos de grandes improvisadores. A Sonata para Piano nº 20 em Sol Maior, op. 49, nº 2, por exemplo, provavelmente foi criada de supetão por Beethoven para agradar os amigos e alunos. Com a evolução de sua surdez, ele foi deixando de se apresentar em público, e, portanto, de improvisar, tendo passado a focar mais nas composições para publicação. Schubert e Chopin chegaram a carimbar várias de suas peças com a palavra impromptu, improviso. 

Os estudiosos da matéria dizem que a arte da improvisação caiu em desuso na Europa em meados do século 19, tendo ressurgido exuberante no século 20 no jazz e outros estilos.

O Guia Musical de Brasília andou discutindo o assunto com a sua maior autoridade no Distrito Federal, o saxofonista e professor Ademir Júnior. Ele é o autor de Caminhos da Improvisação, um catatau de 500 páginas, em versão impressa e digital, que se tornou uma das principais referências da matéria para todo tipo de instrumentista no País e no Exterior.

Ademir Júnior compara a improvisação à construção de um discurso que o músico elabora com os recursos que domina no âmbito das escalas, dos arpejos e dos intervalos. Ele propõe que a gente pense numa criança de três anos, que fala mas ainda não lê nem escreve. Com o passar dos anos, ela vai agregar vocabulário, expressões e outros conhecimentos até ser capaz de expressar as suas ideias de maneira livre e criativa. Extrapolando, a gente logo pensa nos políticos ou nos líderes estudantis e sindicais, capazes de discursar de improviso em qualquer situação. Assim também fazem os músicos de jazz, de chorinho, do hip hop ou os poetas do repente e do slam, por exemplo.

Vocação - Ademir Rodrigues Pereira Júnior nasceu em Brasília em 1976, de pais que vieram de Itapajé, interior do Ceará. A sua vocação foi incentivada pelo pai, antigo corneteiro da Aeronáutica que se tornou clarinetista da Polícia Militar.

O próprio Ademir virou músico do Corpo de Bombeiros por concurso público, depois de estudar flauta doce (desde os sete anos), clarineta (desde os dez), sax tenor (desde os 18), trompete (aos 24) e, agora, aos 45, flauta e piano.

Piano, ele acha que começou atrasado, mas tem como projeto dominar o instrumento para tocar e produzir música com mais recurso depois que se aposentar dos Bombeiros, daqui a sete anos.

Sua formação musical inclui passagens pela banda do Sesi de Ceilândia, pela Escola de Música de Brasília, onde participou da Banda Filarmônica, e pelo curso de extensão na UnB, com o mestre clarinetista Luiz Gonzaga Carneiro, dos 13 aos 18 anos. Ali ele percorreu todo o currículo do bacharelado de clarineta, embora não fosse aluno regular da universidade. 

Os estudos de saxofone, iniciados aos 18 anos, coincidiram com os estudos que já vinha fazendo de harmonia, tendo como mestre o húngaro Ian Guest. Dos conhecimentos de jazz e música erudita que adquiriu na época até a improvisação foi um pulo. A partir de 2005 e até 2009 ministrou o primeiro curso da matéria no Curso Internacional de Verão da Escola de Música. De toda essa experiência resultou o livro Caminhos da Improvisação, lançado em outubro de 2017.

Ademir participa da banda do Corpo de Bombeiros e dirige a Orquestra JK, uma big band. Tem já uma alentada discografia, na qual se destacam os álbuns Camaleão 1, 2 e 3. O título tem a ver com a facilidade com que transita em vários estilos. “Eu procuro ser o mais fiel possível em cada estilo. Samba tem que soar como samba, baião como baião”. Seus horizontes vão bem além do Brasil, no entanto. Ele interpreta também tango, salsa, merengue e rumba, para citar alguns ritmos das Américas.

No ano passado, ele lançou o álbum O Brasil do Saxofone, em parceria com o músico francês Baptiste Herbin, um artista que, como ele, representa os fabricantes Henri Selmer e Vandoren. O CD, inteiramente gravado no Clube do Choro, é resultado de uma turnê que os dois realizaram em Nantes, Rouen e Paris, na França, e em Brasília, São Luís, Recife e Goiânia, no Brasil.

Em março Ademir pegou a Covid-19. Foram 23 dias desde os primeiros sintomas com nove dias de internação. Assim que saiu do hospital, porém, ele pegou o saxofone para acessar as suas memórias harmônicas. Depois de 20 minutos de improvisação, contou ele no Facebook, a saturação do oxigênio saltava de 94 para 96 ou 97.

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