Charles Baudelaire, cantor da beleza passageira e fugaz da Modernidade no meio das "florestas de símbolos"
À moça que passou na calçada do Baudelaire

Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –

Na sexta, 9 de abril, celebramos o bicentenário de Charles Baudelaire (1821-1867), que insuflou na poesia da Europa os ares do modernismo, assim como Walt Whitman o fez na literatura dos Estados Unidos, na mesma época, e daí ambos conquistaram o mundo. 

Folhas de Relva, do Whitman, foram publicadas em 1855. As Flores do Mal, de Baudelaire, em 1857.

Ambos flâneurs, ambos embriagados com o espetáculo, as cores, os brilhos e as névoas, os cheiros das cidades. Ambos bisbilhoteiros da fauna barulhenta que transita pelas ruas, pontes, parques, bares e galerias.

Baudelaire cantou Paris na época em que o prefeito Georges-Eugène Haussmann executava o seu violento programa de reurbanização, com a construção de grandes bulevares, palácios e teatros no lugar dos becos e casas da cidade medieval.

Um dos objetivos de Haussmann, militar, foi a expulsão da classe trabalhadora do centro para a periferia da cidade e a inibição de suas frequentes insurreições e barricadas. Em vão! Um ano depois de sua demissão, em 1870, o povo tomaria a cidade para governá-la sem a plutocracia, decretando a gloriosa mas efêmera Comuna de Paris (18 de março – 28 de maio 1871), agora cantada por um brilhante e muito mais radical discípulo de Baudelaire, Arthur Rimbaud.

Ainda empolgado com a celebração dos 200 anos, traduzi, na manhã do sábado, 10 de abril, o soneto À une passante (A uma moça que passa), parte dos Quadros Parisienses das Flores do Mal.

O poeta, quem sabe sentado num bistrô, observa passando na calçada uma jovem viúva de vestido preto rendado. Ele fica enfeitiçado pelo olhar dela, recíproco, aparentemente tranquilo, calmo como o olho de um furacão. O flerte dura segundos. A moça desaparece na esquina. Derretido, o poeta lamenta não tê-la conhecido.

Chamam a atenção no poema típicos recursos baudelairianos, tais como as assonâncias, aliterações, enjambements, tudo a serviço da fluidez melódica e da explosão de imagens. Tentei reproduzi-los de maneira desavergonhada, com a licença do Guilherme de Almeida e do Ivan Junqueira, é claro! 

Ouça aqui o poema na voz de Serge Reggiani.

A une passante

La rue assourdissante autour de moi hurlait.
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,
Une femme passa, d'une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l'ourlet ;

Agile et noble, avec sa jambe de statue.
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l'ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.

Un éclair... puis la nuit ! - Fugitive beauté
Dont le regard m'a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l'éternité ?

Ailleurs, bien loin d'ici ! trop tard ! jamais peut-être !
Car j'ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais !

À moça que passou

Ruidosa a rua ao meu redor jorrava hurras.
Alta, magra, em luto pesado e majestoso,
Passou por mim uma mulher de mão garbosa
Que levantava a saia ajeitando a barra;

Elegante e lépida, perna de estátua.
Eu bebia, nervoso como um bobalhão,
No olho seu, um céu semente de tufão,
O doce que fascina e o prazer que mata.

Um clarão… e a noite então! – Arisca deidade
Cujo olhar me fez nascer de novo de repente,
Eu vou te ver somente na eternidade?

Longe daqui! Tarde! jamais provavelmente!
Não sei aonde foi, você, aonde eu vou,
Eu teria te amado, você sacou!

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