Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse de Alberto Dürer (1497-98)
Salmos ou mirra

Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –

Coaracy, a minha amiga evangélica histórica, acompanhava com muita apreensão o julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 811 (ADPF 811) na sessão de hoje, 7 de abril, no Supremo Tribunal Federal. A medida, apresentada pelo Partido Social Democrático (sic), questiona um decreto do governo de São Paulo respaldado na decisão do Supremo de suspender a realização de cultos e missas presenciais, uma modalidade cristã fundamentalista do direito de ir e vírus.

Fizeram sustentação oral o advogado-geral da União, o ministro terrivelmente evangélico André Mendonça, o procurador-geral Augusto Aras, o procurador-geral do Estado de São Paulo, Rodrigo Menicucci, representantes de partidos e uma penca de amici curiæ, amigos da Cúria, digo, da Corte.

Dos amici curiæ, o advogado Paulo Iotti foi o único a defender o direito à vida sobre o suposto direito ao fanatismo e à morte.

Os demais, dublês de rábulas com caça-dízimos, promoveram um show de avivamento pentecostal. Soube-se mais tarde que o advogado Luiz Cunha, o orador representante do PTB de Roberto Jefferson, é uma espécie de piolho do pangaré do principal Cavaleiro do Apocalipse: Cunha é o professor de tiro de Renan Bolsonaro, o Zero Quatro.    

Enquanto aguardava o retorno da sessão do intervalo para o xixi e os conchavos, a Coaracy me mandou pelo Zap vários Salmos (6:5, 30:9, 88:10-12, 115:17), todos com a mesma tese que deveria ser óbvia para os evangélicos: Deus não pode ser adorado nem pelos mortos nem no interior dos sepulcros.

Logo depois a minha amiga zapeou mais um versículo na mesma linha, dessa vez do profeta Isaías (38:18-19): "Porque não te louvará a sepultura, nem a morte te glorificará; nem esperarão em tua verdade os que descem à cova".

Não é, definitivamente, o que pensa o necrossinistro Kássio Conká, outro evangélico entusiasta, que numa canetada decidiu, no sábado, 3/4, derrubar liminarmente a decisão do plenário do Supremo que havia autorizado os governadores e prefeitos a fechar temporariamente os templos religiosos como medida para conter a disseminação do coronavírus. Na segunda, 5/4, o ministro Gilmar Mendes barrou a sentença de Conká, o que obrigou o presidente Luiz Fux a levar a discussão ao plenário.   

Por sinistra coincidência, comemorou-se nessa quarta o Dia Mundial da Saúde. Depois do registro recorde de 4.211 mortos no dia anterior, as secretarias de Saúde contaram mais 3.733 vítimas, elevando os óbitos a mais de 341 mil, o equivalente às baixas fatais de três guerras e meia do Paraguai.

Ainda durante o intervalo da sessão, a Coaracy me disse: “Temos uma escolha: a sabedoria dos Salmos ou o uso da mirra", referindo-se ao bálsamo aromático com que os judeus untavam os corpos dos mortos. “Ô, Corinha, nem isso! A gente nem está podendo chegar perto dos mortos”! Essa foi a resposta que dei à minha amiga luterana, protestante não fanática, pouco antes da retomada do julgamento, com a manifestação do ministro Gilmar Mendes.

Foi um voto muito extenso e técnico o do Gilmar, nem por isso com menos sentimento. Sobraram críticas ferinas aos negacionistas, incluindo o ex-sinistro Ernesto Araújo, por lançar o Brasil no rol dos países párias. Posso resumir o voto de Gilmar numa frase: parece que a Constituição não tutela o suposto direito à morte pregado pelos fariseus que falam em nome de Deus!

Pelo adiantado da hora, o ministro Luiz Fux suspendeu os trabalhos, convocando a continuidade da sessão para esta quinta, 8/4. O sinistro Kássio Conká será o primeiro a usar o microfone. Se ele obedecer o comando dado pelo chefe Jair Messias, Conká deve pedir vistas à ADPF, para manter suspensa por mais algum tempo a determinação do plenário do Supremo que autorizou o fechamento temporário das igrejas. Se Conká bater continência ao Coiso, obrigará Fux a tomar alguma providência para fazer valer a decisão do plenário. Ou a tomar uma dose de hidroxicloroquina e deixar rolar o massacre.

Quem viver...

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