Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –
O que define a brevidade da vida?
O que baliza a duração da arte?
O vírus, a máscara?
Chegou abril, “o mês mais cruel” -
“Atrás de nós o nada, o vazio,
con un terrore di ubriaco” -
Impõe-se a disjuntiva: a luta ou a rendição -
Repilo com o Carlos a máquina do mundo
nas estradas de Minas e Goiás
com a sua lógica de pedra, e decido sair
em busca do tempo perdido -
Onde está o tempo perdido?
Onde está a quase-democracia perdida?
Onde estão as poucas oportunidades perdidas?
Onde está a igualdade que nunca tivemos?
Onde está a razão? E a verdade
desencaminhada?
Talvez nos “becos cheios de elipses mentais”
e nas largas avenidas iluminadas
das metrópoles visíveis e
nas Cidades Invisíveis -
Nas gretas dos muros de Jerusalém,
nas muralhas de Ílion,
nas portas de Tebas,
nos jardins da Cidade Proibida,
no Campidoglio de Roma,
nos igarapés da Amazônia, talvez -
Da minha janela lanço o brado:
Quero abraçar todos vocês, irmãos,
e vocês, filhas do Elísio!
Seid umschlungen, Millionen!
Diesen Kuß der ganzen Welt!
Quero beijar milhões
de camaradas
do mundo inteiro,
no chão e nas alturas
das estrelas!
Quero promover aglomerações
na praça que é do povo
como o céu é da Airbus!
Quero refazer as barricadas
da Comuna de Paris
século e meio depois -
C'est le temps des cerises!
Mas atenção! Não será
nada contra os protocolos
das autoridades da Saúde:
para alcançar pequenas utopias,
camaradas, concedamos
todo o poder à Imaginação!
Pra começo de conversa,
tomemos cerveja bitter
com o Falstaff, a Julieta e o
Engels num pub de Londres -
Corramos até Dublin para
encontrar o Poldy e a Molly Bloom -
Voemos a Roma para um café
com o Sartre e o Frantz Fanon -
Abaixo o tédio, camaradas!
Viva a vodka! Na zdarôvie!
“Vamos tomar Manhattan,
depois Berlim”!
Eu quero dançar a Kalinka
com o marechal Júkov
nas escadarias do Reichstag!
Eu quero farrear
numa gafieira da Lapa
com a Chiquinha Gonzaga!
Eu quero surfar
no delta do Mekong
com o Ho Chi-Minh!
Eu quero aprender
caligrafia com o
presidente Mao!
O que nos impede de singrar
os mares do Sul e do Norte
a bordo do Beagle?
O que nos coíbe de trilhar
os confins do Sistema Solar
de carona na Discovery?
A plenos pulmões,
gritemos Viva a Liberdade!
na Praça Vermelha,
na Praça do Rossio,
na Porta do Sol,
na Cinelândia,
no centro de Jakarta
e à beira do Ebro,
onde corre o sangue da República!
Convidemos o Walt Whitman
para passar à toa as tardes
da primavera nos gramados
do Central Park, à sombra
de um carvalho coberto de musgo!
Vamos nos perder nos labirintos
do Jorge Luis, ouvindo o Libertango,
com a Emily de Amherst e a Emília
do Sítio do Pica-Pau Amarelo,
o Sancho Pança, João Grilo e Chicó,
Fabiano e Baleia, Riobaldo, Diadorim
e Nhorinhá e, óbvio, o Diabo na rua
no meio do redemoinho...
Em nossa nave-palco, camaradas,
cabe tanta gente, tantos bichos e plantas,
toda a Mãe Natureza, que é capaz
da barca atravancar os canais de Suez,
da Mancha e do Panamá juntos -
Seria engraçado paralisar o comércio mundial!
Que tal discutir filosofia e ciência
com o Brás Cubas, o Bentinho
e a Marilena Chaui?
Que tal aprender xadrez
com um campeão soviético?
Que tal quebrar cocos
com as quebradeiras de coco
do Maranhão?
Quem sabe, compor haicais
nos saltos que salta a rã
no som da água
da velha lagoa!
Ninguém sabe o dia
de amanhã, dizem
o Horácio e o Eclesiastes:
o que podemos fazer
senão comer e transar,
beber vinho, recitar o Khayyam
e escutar o Caymmi?
É breve a vida, camaradas,
mas longos e ledos são os meandros
das caminhadas no refúgio que nos restou
entre as prateleiras de nossas estantes!