A Peste não será contida com reza brava nem com florais quânticos
Use e abuse: a crônica do spray milagroso

Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –

A comitiva de dez pessoas liderada pelo ministro Ernesto Araújo partiu para a capital de Israel no dia 6 de março com a missão de assinar um acordo para produzir no Brasil um “spray milagroso” contra a Covid-19 sob investigação no Hospital Ichilov de Tel Aviv.

A delegação saiu cercada de mau agouro, ceticismo e gozações. Pra começar, viajou num sábado, dia de orações e não de trabalho. Que spray seria esse, ainda na primeira fase inconclusa, testado em apenas 30 pessoas?

As gozações uniam insultos à injúria, sugerindo que na composição da droga entrava água do Mar Morto, essência de goiaba da goiabeira onde Jesus trepava, lasquinhas da cruz do Calvário, pitada de sal da estátua da mulher de Ló, e até fiapos de uma meia usada pelo pai fundador Ben-Gurion.

O chanceler Araújo manteve o sangue frio, convencido de que estava sob ataque, mais um dos tantos desferidos pelo Pavoroso Movimento Comunista Globalista Mundial Internacional Alienígena (PMCGMIA).

Em Tel Aviv teve alguma dificuldade de ser recebido pelas autoridades, todas ocupadas na exitosa campanha de vacinação com o imunizante da BioNTech-Pfizer, Netanyahu no comando. Araújo ficou puto com uma oficial de chancelaria da comitiva, que, achando graça de um clipe do primeiro-ministro na televisão, perguntou se por acaso o dragão do anúncio não seria uma alusão ao jacaré do presidente Bolsonaro. No último segundo, Araújo conseguiu conter a ira, engolindo em seco a insolência, certo de que essa funcionária só podia ser outro cavalo de Troia do PMCGMIA.

As tratativas no Hospital Ichilov correram bem. A comitiva saiu de lá com um protocolo de intenções, segundo o qual a fórmula do spray receberia a licença para ser fabricado no Brasil pela Fiocruz assim que fosse aprovado pela Anvisa de Israel e, claro, pela Anvisa do Brasil.

O princípio da droga, explicou o chanceler, tinha como alvo um trecho do genoma de ácido ribonucleico do coronavírus e, por isso, seria batizado com a sigla SARNA, de “Spray Anti-RNA”.

Sabe aquela moça que fez a piada do dragão? Pois é, ela comentou assim na lata com o colega do lado: “Esse spray não vai funcionar no Brasil”!

Escrevo essas memórias no ano 2050, 29 depois do Ano do Cancelamento, quando 20% da população do País foram riscados do mapa pela Peste. A oficial de chancelaria tinha razão. O spray milagroso não funcionou porque multidões tomavam ivermectina como quem bebia Matte Leão em meados do século passado.

Você não tem direito de postar comentários

Destaques

Mais Artigos