Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –
Uma das ideias mais comuns entre a massa é a de que alguém ou algum fenômeno “muda o curso da história”. Esse senso é também um dos mais bizarros, sem lógica nem noção.
Costuma se dizer que Charles Darwin, que nessa sexta-feira, 12 de fevereiro, completou 212 anos de nascimento, teria mudado a história da ciência com a publicação da Teoria da Evolução. Na verdade, Darwin abriu um caminho da história caminhando, aproveitando-se, aliás, da contribuição de seus ascendentes científicos. Ele não inventou a roda do nada nem tomou qualquer atalho de uma suposta estrada principal.
Ninguém muda o curso da história porque a história não tem curso pré-determinado nem finalidade. Imprevisível, pode tomar qualquer rumo. E olhem que digo isso mesmo sendo determinista, no sentido preciso de considerar que certos fatores relevantes determinam resultados pertinentes.
Em nosso universo único as causas costumam (eh! eh!) preceder os efeitos, é simples assim. E eu sei que alguns efeitos tornam-se depois causas e por aí vão.
É óbvio que o relaxamento nas regras do isolamento social, do uso das máscaras e do álcool em gel, as fake news sobre a cloroquina e a falta da vacina acarretaram o desastre da pandemia no Brasil, nos Estados Unidos e na Suécia, por exemplo. O contrário de tudo isso, com base em evidências científicas, deu resultados diferentes e benignos na China, na Coreia do Sul e na Nova Zelândia.
A história é a investigação e a narrativa de acontecimentos subordinados a fatores econômicos, sociais, culturais, a fenômenos naturais etc, que já causaram (atenção ao tempo do verbo!) os efeitos correspondentes, congruentes. Por isso a gente trata mais do passado que do presente ou do futuro quando fala de história.
É verdade que, vista em ampla perspectiva, a história apresenta padrões que, se mantidas determinadas condições, podem ser repetidos no aqui, no agora e no porvir. Ninguém, porém, garante, porque as trilhas da história são em geral imprevisíveis, por definição.
Quem previu a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética? Quem previu que a China viria a se tornar a segunda potência mundial e que, se mantida a toada atual, logo será a primeira? Quem previu a eleição do Trump e a do Bolsonaro?
Por outro lado, alguém aí sabe o que acontecerá nas eleições de 2022? Qual seria o curso da história do Brasil até, digamos, 2026? Quem pode garantir que o destino atual (ou a sina) do País é o bolsonarismo, e que, se for eleito o Fernando Haddad ou o Flávio Dino ou o Ciro Gomes ou o João Dória, um deles estará mudando esse prévio, suposto itinerário? Só depois da festa ou da desdita teremos a resposta, acreditem!
Uma das conquistas filosóficas do trabalho de Darwin foi o enterro da teleologia, a ideia da época do Aristóteles de que a vida ou a história tem finalidade. Para acreditar nesse conceito é preciso crer também que alguma divindade extra-histórica criou o mundo dotando-o de algum propósito.
Ora, humpf! Que pecado teriam cometido os dinossauros para serem punidos com a extinção? E o que fizeram de errado as milhões de espécies extintas durante as outras cinco extinções em massa registradas no planeta, a sexta delas acontecendo exatamente em nossa época, o Antropoceno?
A história da Terra, com 4,54 bilhões de anos, inclui esses acontecimentos, mas eles não constituem desvios de nenhuma trajetória de paz, amor e harmonia. A queda do asteroide em Chicxulub, na província de Iucatã, México, há coisa de 66 milhões de anos, que fodeu com os dinossauros e abriu a janela para o desenvolvimento dos mamíferos, não alterou qualquer roteiro previamente estabelecido pelo deus da substância Ometecuhtli. Esses fatos são meros capítulos da história, narrados depois de acontecidos.
(Ouvem-se protestos na plateia. O orador é vaiado. Voam ovos, tomates e cartelas de cloroquina sobre o palco!)
Calma, pessoal! Ao contrário do que parece, eu não sou um niilista, tipo de gente que em nada acredita. Na verdade, prezo muito a ideia dos existencialistas de que nós mesmos damos sentido às nossas vidas. E fecho com a afirmação do Marx, do início de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, de que “Os homens (ele se esqueceu de mencionar as mulheres!) fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.
O que é eu poderia fazer na manhã desse sábado frio e chuvoso, sem a folia do carnaval, senão escrevinhar pensatas atrevidas, ouvindo o Nelson Cavaquinho?
O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
Do mal será queimada a semente
O amor será eterno novamente