A minha professora de religião era uma espécie de Michelangelo que desenhava Javé na forma de um cabide, com perdão da blasfêmia
O maior cabide de empregos da história

Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –

Essa eu já contei uma vez, mas conto de novo, com novas conclusões.

Quando eu estava na Escola Paroquial de Santana, em Anápolis, no início dos anos 60, achava deslumbrantes as aulas de religião.

Enquanto narrava as historinhas da Bíblia, a professora ia desenhando a cena central com gizes coloridos. Na época da criação do mundo, por exemplo, era como se a gente estivesse vagabundeando no paraíso na companhia de Adão e Eva, no meio das árvores e dos bichos do ar, terra e água, a serpente botando a língua, trepada num galho de goiabeira, e nós nem tchum!   

As aulas sempre terminavam de maneira apoteótica nos arremates daqueles painéis da tradição miquelangélica – valha o exagero! –, que logo seriam apagados, para meu desgosto.

Fumaças – Certa vez comparei os quadros da minha professora com as esculturas de fumaça talhadas por Matiegka, o artista tcheco albino inventado pelo italiano Giovanni Papini para o romance Gog. As duas manifestações compunham um tipo de arte pura, efêmera, que não podia, na época, ser conservada nem transportada, tampouco comprada. Hoje a gente chama isso de performance.

O detalhe mais conspícuo daqueles murais era a figura do Todo Poderoso, sintetizada na graciosa linha superior do torso humano. Pensem num cabide suspenso no ar sem o gancho nem o suporte das calças… Aí estava a representação do Criador, jubiloso, pairando acima de tudo e de todos e todas. A Suprema Elegância! Quando eu mesmo o desenhava, acrescentava à volta alguns raios fúlgidos, carregando nos efeitos dramáticos. 

Essa representação era, penso eu, uma sutileza digna do Feuerbach, mais afetiva que as duras linhas do triângulo da Santíssima Trindade configurando a suprema alienação. Isto é, a criação de Deus à nossa imagem e semelhança, sem as óbvias barbas brancas do espectro patriarcal.

Anos mais tarde, já metido a teólogo amador, formulei com base nessas memórias a tese do maior cabide de emprego da história: o próprio Javé, com perdão da blasfêmia. Nele se penduram os rabinos, os padres, os pastores e os mulás, quase todos cafetões da fé popular, haja vista o Crivella, a Damares, o pastor Everaldo, o João de Deus, o padre Robson de Trindade… Vampiros canalhas do Rebanho!

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