Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –
Lá e cá, nos States e no Brasil, a semana começou com a pauta do movimento antifascista. Lá e cá, o movimento foi ameaçado pelos presidentes Trump e Bolsonaro de banimento e do opróbrio de “terrorista”. Como não poderia deixar de ser, os antifas não deram a menor pelota para as intimidações. Afinal, eles se organizaram de maneira descentralizada exatamente para enfrentar os fascistas.
Eu mesmo passei parte da segunda-feira compondo selinhos customizados de antifascistas para os amigos e amigas no programinha feito pelo Felipe Alencar. Nele a gente insere o nome, escolhe a cor e, pimba!, pespega a praguinha no perfil do e-mail, Whatsapp, Instagram, Twitter, Facebook ou em qualquer outra plataforma onde a luta se apresenta.
Na segunda, quando a coisa viralizou, apareceram botons com profissões ou ocupações: “Artista Antifascista”, “Jornalista Antifascista”, “Médico Antifascista” e Tatuador, Professor e Professora, Cristãos… Havia também “Periferia Antifascista”, “Galo”, “Flamenguista”, “Santos”, “Fluminense”. Alguns gozadores desenharam o boton do “Cachaceiro Antifascista”, o do “Míope”, o das “Gostosas” e o do “Terraplanista Antifascista”. Outros, mais irônicos, soltaram um “Fascista Antifascista” com a figura caricata do governador do Rio, Wilson Witzel.
Gozações - O bom humor é uma das qualidades que unem os antifascistas. Nem sempre. A semana foi inaugurada também com um debate azedo sobre a extensão da frente antifascista, depois da publicação no domingo de vários manifestos em defesa da democracia: “Estamos Juntos”, “Basta!”, “Somos 70%” e “Unidade Antifascista”.
Na segunda-feira, durante reunião do Diretório Nacional do PT, o ex-presidente Lula disse que os petistas precisam ter muito cuidado ao aderir a esses manifestos, que estão sendo assinados por adversários e ex-aliados seus. “Sinceramente, não tenho mais idade para ser ‘Maria vai com as outras’. O PT já tem história neste país, já tem administração exemplar neste país. Sinceramente, não tenho condições de assinar determinados documentos com determinadas pessoas”.
Segundo se noticiou, Lula teria ficado abespinhado quando soube que entre os apoiadores do manifesto “Estamos Juntos” estavam os ex-presidentes FHC e Michel Temer. E que ele teria mágoa de FHC por não tê-lo defendido quando foi preso, e de Temer, por ter participado do golpe parlamentar contra a presidenta Dilma. Assessores esclareceram que não se trata de mágoa, mas de uma posição política do ex-presidente que leva em conta o fato de não constar em nenhum dos abaixo-assinados a exigência clara do afastamento do presidente Jair Bolsonaro nem a defesa explícita dos interesses da classe trabalhadora. Assim, continua o esclarecimento, alguns dos signatários, aproveitando-se da linguagem menos contundente dos documentos, longe de querer mudar a situação, estariam interessados apenas em limpar a biografia.
Haddad - Obviamente, a declaração de Lula constrangeu muitos de seus companheiros, a começar pelo ex-prefeito Fernando Haddad, que enfrentou Bolsonaro nas eleições presidenciais. Haddad, signatário do “Estamos Juntos”, disse que aplaude “quando a centro-direita entende o risco da extrema direita, e coloca as liberdades civis em primeiro lugar”.
O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, militante em vários processos da Lava Jato, e um dos articuladores do manifesto “Basta”!, dos juristas, disse que entende Lula. Ele mesmo, confessou, quase pediu para retirar sua assinatura do documento quando viu que entre os apoiadores estava o ex-bolsonarista Carlos Fernando Lima, ex-procurador da Operação Lava Jato, que Kakay considera ser a fonte do fascismo hoje instalado no Palácio do Planalto.
A discussão incluiu também a eventual adesão, a um dos manifestos, do ex-ministro Sérgio Moro. “Ah, não, aí já é demais!”, vocalizaram alguns antifascistas, delimitando um contorno ético-político para a frente democrática. Felizmente, ao que tudo indica, não será desse mal que morreremos. O próprio Moro publicou no jornal O Globo um artigo intitulado “Contra o populismo”, que pode ser considerado o seu próprio manifesto, claramente dirigido aos que pretendem se acochambrar com o regime de Bolsonaro.
A tese de Moro é que o atual governo seria populista, no sentido de o presidente não distinguir o Estado do governo nem reconhecer a independência das Cortes de Justiça e do Ministério Público, e também não a autonomia dos órgãos vinculados ao Poder Executivo.
Mesmo elencando essas e outras disfunções desagregadoras e antidemocráticas do regime, Moro diz que “Não é o caso de falar em totalitarismo ou mesmo em ditadura, no presente momento, mas o populismo, com lampejos autoritários, está escancarado”. Como saída para a crispação, o ex-ministro propõe (a Bolsonaro) a façanha de “‘colocar a bola no chão’, agir com prudência, observar a lei, respeitar as instituições, buscar o consenso necessário para combater a pandemia, assim protegendo as pessoas, bem como para recuperar empregos e a economia”.
Pollyanna - Moro diz ainda, agora assumindo o papel de Pollyanna Moça, que “não é difícil unir as pessoas em um momento de crise e em prol de um objetivo comum, especificamente salvar vidas e empregos e fazer do Brasil um grande país. Para tanto, é necessário fazer a coisa certa, sempre, sem tentações populistas ou autoritarismo”.
O ex-ministro termina assim o seu artigo: “Há tempo para o governo se recuperar e é o que todos desejam. Mas precisa começar, já que a crise é grave e não permite perder mais tempo do que já foi perdido”.
O fecho do artigo faz lembrar a covarde postura do primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain e do primeiro-ministro francês Édouard Daladier durante a Conferência de Munique, em 1938. Ainda impressionados com os estragos da I Guerra Mundial, os dois aceitaram as condições de Adolf Hitler para ocupar a região dos Sudetos da então Tchecoslováquia, na ilusão de manter o equilíbrio de forças na Europa. Hitler não só ocupou os Sudetos como depois invadiu o resto do país. Chamberlain voltou a Londres dizendo que havia estabelecido com Hitler “a paz com honra”. Em resposta, o sempre ferino Winston Churchill lhe disse: “Você pôde escolher entre a guerra e a desonra. Você escolheu a desonra e terá a guerra”.
No momento em que se conta mais de 31 mil mortos de Covid-19 e morrem mais de mil brasileiros por dia, por obra do governo militarizado de Bolsonaro, só há duas posições políticas possíveis, já descontadas as divergências internas de cada uma: ou você apoia o candidato a ditador, ou você soma forças com a frente antifascista para afastá-lo do poder o quanto antes. Não há terceira via no atual cenário.