O coronavírus é natural mas ele se espalha mundo afora graças à ajuda ativa e criminosa de governantes como Donald Trump e Jair Bolsonaro
Por que falam tão mal do Coronga?

 Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –

 Acho engraçado o pessoal chamar o Coronga de cruel, (“malvado”, disse a Damares Alves), desalmado, hediondo, impiedoso, ardiloso e até filho da puta. É que nem xingar os vulcões de malditos, de criminosos os terremotos, os furacões de infames!

Por que será que não xingam os fazendeiros e os madeireiros que desalojam de seus habitats os morceguinhos e outros bichos portadores dos vírus e bactérias potencialmente patogênicas? Por que não xingam os verdadeiros padrinhos das pestes?

O coronavírus denominado SARS-CoV-2, por provocar a nova Síndrome Respiratória Aguda Grave, é um vírus de ácido ribonucleico de cadeia simples positiva, com tamanho entre 50 e 200 nanômetros de diâmetro. O vírus tem quatro proteínas estruturais, conhecidas como proteínas S, de spike (espinho ou espeto); a E, de envelope; a M, de membrana; e a N, de nucleocapsídeo (formado por proteínas que o ajudam a se proliferar). A proteína N contém o genoma de ácido ribonucleico, que, em conjunto com as proteínas S, E e M, compõe o seu envelope viral ou cápsula. A proteína S é a proteína que permite ao vírus enganchar-se na célula hospedeira, a partir da qual ele se reproduz e infecta outras células.

O vírus é uma partícula de tamanho ridículo (chamá-lo de bicho seria um exagero) que nem consegue reproduzir-se sozinho. Há dúvidas até de que seja um ser vivo (pessoalmente, acho que é) e, portanto, está longe de poder ter qualquer tipo de consciência, pelo menos como a de uma minhoca ou de um cão. Se não tem consciência, como poderia ter algum senso moral para ser chamado de “malvado”?

Se esse vírus estava encerrado no corpo de um morcego e alguém forçou o bicho a liberá-lo no descampado, de quem é a responsabilidade? O veneno no frasco da prateleira de um químico é inócuo enquanto continuar guardado lá. Mas se alguém se apoderar dele para batizar a bebida de uma vítima como no golpe do “boa-noite-Cinderela”, de quem é a culpa? Do veneno é que não é.

Exatamente neste momento, no Ártico, um tipo de solo conhecido como permafrost (antes “permanentemente congelado”) está derretendo. Anotem: ali embaixo há material orgânico que será exposto à atmosfera, liberando organismos eventualmente pestíferos. Derretendo por que motivo? Por causa do aquecimento global induzido pelas indústrias, escapamentos de carros e aviões, desmatamentos para ampliação de pastos para criação de gado etc.

Tuberculose - Antigamente falavam mal do bacilo de Koch, o vetor da tuberculose, mas se esqueciam de que a fome sempre foi a principal causa da doença, como evidenciou o grande médico brasileiro e cidadão do mundo, Josué de Castro, ainda na década de 1940.

Muitas pessoas são portadoras do bacilo de Koch, mas isso não quer dizer que vão desenvolver a tuberculose. Só se tornam doentes as pessoas portadoras que também têm a saúde precária, devido à fome ou a debilidades causadas por outras doenças, como a Aids. A tuberculose é o que chamam de doença oportunista.  

E agora, me digam, a fome é uma peste provocada por quem? Vão me dizer que é pela seca? Ora, façam-me o favor! É óbvio que o modelo econômico vigente, que impõe desigualdades sociais e regionais, é o principal responsável por essa desgraça.  

E mais: o pessoal falava mal da peste que devastou a Europa no início do século 14, sem se lembrar de que um dos padrinhos da moléstia foi o papa inquisidor Gregório IX, depois que ele associou, na bula Vox in Rama (1233), os gatos, principalmente os pretos, às pessoas acusadas de bruxaria. Nas décadas seguintes, impressionados pela pregação do papa, os fiéis desencadearam uma caça feroz aos bichanos, que chegaram ao ponto de quase extermínio. Sem gatos para caçá-los, os ratos fizeram a festa com as suas pulgas infectadas com a bactéria Yersinia pestis. Foi assim que a peste bubônica devastou a Europa. O termo “bubônico” remete à virilha inchada pelos gânglios linfáticos tomados por coleções das bactérias. Mas seria mais justo chamar a praga de gregoriana, em homenagem a um dos seus patronos, o papa Gregório IX. 

O que é natural? - Eu costumo separar as catástrofes "naturais naturais" das catástrofes "naturais induzidas". Digo que todas elas são “naturais” porque não acredito em nenhuma de origem sobrenatural, como aquelas provocadas por Zeus ou Javé do alto de seus rompantes de cólera, raiva, ira, gana ou sanha.

Vulcões, terremotos e tsunamis são “naturais naturais”, embora se possa perfeitamente induzi-los com algumas bombas nucleares. Aliás, eu ainda vou escrever um romance-catástrofe em que os terroristas jogam bombas na falha de San Andreas na tentativa de provocar o Big One para devastar a Califórnia!

Em contraste, as enchentes que assolam Belo Horizonte e de São Paulo todo ano são evidentemente “naturais induzidas”. São provocadas porque alguéns resolveram canalizar os rios que passam por aquelas cidades sem se preocupar com as consequências da intervenção.

Os furacões e os tufões parecem, em princípio, “naturais naturais”, mas hipóteses científicas indicam que esses fenômenos estão sendo estimulados pelo aquecimento global causado pela indústria humana, antropocênico.

Quanto ao coronavírus, é provável que tenha infectado a nossa espécie em consequência de um desequilíbrio ambiental provocado por atividades agropecuárias. Morcegos desalojados de seus habitats podem ter infectado os pangolins vivendo em outro território e esses bichos, parecidos com os nossos tatus, podem ter transmitido o vírus para nós. Nesse sentido, a Covid-19 é “natural induzida”, assim como as anteriores Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), em 2012, e a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), em 2002. E também como as próximas pragas a serem derivadas do pouco cuidado com o meio ambiente. Muito provavelmente, a devastação da Amazônia e o permafrost derretido serão as fontes das pestes vindouras. 

Resultados diferentes - Para compreender um pouco mais o que estou dizendo, basta comparar o comportamento de alguns governos diante da crise, digamos, o chinês, o coreano e o argentino, de um lado, e o americano, o sueco e o brasileiro, do outro.

Os três primeiros investiram pesado no controle da pandemia com medidas profiláticas, que incluíram o isolamento social, a testagem massiva, o investimento em leitos hospitalares com respiradores etc. Os três últimos deixaram a doença correr solta, com medidas no mínimo contraditórias, e, no máximo, completamente irresponsáveis.

Os resultados não poderiam ser diferentes: a China tem um índice de três mortos por milhão de pessoas; a Coreia do Sul, 5 por milhão; a Argentina, 10 por milhão. Em contrapartida, os Estados Unidos têm 301 mortos por milhão de habitantes; a Suécia, 399; o Brasil, 107, por enquanto!

Em termos maquiavélicos, pode-se dizer que os três primeiros governos agiram com virtù, tentando o controle ativo das circunstâncias, e os três últimos deixaram a fortuna tomar conta do barraco, largando os seus países ao deus-dará.

Serão 100 mil mortos? - Pode se dizer ainda que o governo federal brasileiro, sob o comando de um presidente obviamente irresponsável, além de ser negligente, está induzindo a doença de maneira criminosa, ao promover as aglomerações de seus seguidores e constranger os governos estaduais e municipais a fazer o mesmo.

O País já é o segundo com mais casos de Covid-19, com perto de 380 mil infectados, atrás dos Estados Unidos, com mais de 1,7 milhão. O Brasil já tem 23 mil mortos, mas a cifra pode passar dos 100 mil, como preveem alguns especialistas, como Alexandre Kalache, que já foi da direção da Organização Mundial da Saúde, e hoje preside o Centro Internacional para Longevidade.

Uma das lições que se pode tirar desses poucos dados é que não adianta simplesmente jogar a culpa das pragas sobre a Natureza, a começar pelo fato básico de que somos parte indissociável dela, ainda que certos filósofos insistam em separar a Cultura da Natureza, como se a gente tivesse ou pudesse ter decretado nossa independência da Mãe (não tão) Gentil. 

O que interessa aqui, na vera, é separar dois tipos de Cultura: a que inclui e valoriza a Ciência, um instrumento precário mas o melhor de que dispomos para guiar as nossas ações no mundo, e a que tem entre os seus artigos de fé a planura da terra, a imunidade de rebanho antes da invenção de uma vacina para a Covid-19 e, contraditoriamente, as campanhas antivacinação, além da crítica ultraliberal aos limites do direito de ir e vir para se evitar a maior contaminação.

É por tudo isso que eu digo: quem está do lado da cultura científica, herdeira do Iluminismo, só pode ver como inimigos da humanidade os bolsonaristas e seus aliados, simpatizantes e inocentes úteis!

Você não tem direito de postar comentários

Destaques

Mais Artigos