Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –
Muita gente ficou escandalizada com os palavrões do presidente Bolsonaro na felaciosa reunião ministerial do dia 22 de abril, muito mais do que com a falta de compaixão em meio à pandemia e com as ameaças antidemocráticas, antipopulares e antinacionais verbalizadas por ele, seus sinistros e a sinistra Damares Alves.
É foda o moralismo falso-cristão da nossa gente, né! Preocupa-se mais com a casca do que com o conteúdo das nojentas ações do Condutor.
Eu disse reunião “felaciosa”? Que seja! Bolsonaro usou dez palavrões que qualquer moleque de sete anos usa sem qualquer constrangimento, dele ou dos interlocutores: merda, bosta, porra, foder, putaria, puta que o pariu, filho da puta, cacete, filha de uma égua e estrume. Além desses, o general Braga Netto, da Casa Civil, foi o único ministro a acrescentar um palavrão diferente, caralho.
Como não era uma conversa de boteco, mas um encontro formal do ministério, o palavreado desbocado pareceu chocante, ainda mais que foram pronunciados pelo capitão algumas oitavas acima do tom minimamente civilizado. Bolsonaro costuma falar berrando, cuspindo, espalhando perdigotos como se fosse uma mangueira de incêndio. Sabe cão hidrófobo? É parecido!
Mas, porém, todavia, mesmo no departamento dos nomes feios e impropérios (turpilóquios, como dizem os criadores de palavras), o cara é um pobre coitado. Não deve conhecer muitos mais palavrões além dos onze acima citados.
O Cavalão (seu apelido de soldado) é um milico tosco, limitado, esquisito, de maus modos, xumbrega, enfim. Descubro online que “xumbrega” é uma corruptela do sobrenome de um mercenário alemão, Friedrich von Schomberg, que serviu ao império português em 1640, e que tratava os soldados na porrada. O presidente do Brasil é xumbrega. Mais que xum, mais que brega, xumbrega!
Chez nous - Aqui em casa a gente sempre falou palavrões, cultivados desde que meus dois filhos e filha eram pequenos. A gente nunca proibiu. Pra quê? A teoria, que aqui funcionou é que, liberados completamente, os palavrões recuperam toda a carga afetiva e semântica nas horas realmente necessárias. Por exemplo, quando você chuta o pé da mesa sem querer, e fode o dedão. No dia a dia, com a pressão e a temperatura equilibradas, esse tipo de palavra apenas colore a linguagem de maneira inocente, sem ofensa.
Um dos livros mais lidos aqui em casa sempre foi o Dicionário do Palavrão e Termos Afins do Mário Souto Maior, com prefácio do Gilberto Freyre. O Mário (que Mário?) é primo do Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, o autor do grande dicionário. O livrinho foi tão manuseado que a capa esfarelou. Tive que reencaderná-lo! Depois comprei um novo no Sebinho, e hoje, 24 de maio, finalmente o dei de presente para o meu neto Zeca, que está completando dez anos. Na dedicatória, escrevi um “Foda-se!”. O Zeca, que não é besta, sabe muito bem que, no contexto, a expressão é expletiva, um enfeite frasal sem qualquer intenção depravada.
Diz no prefácio do livrinho o Gilberto Freire, que, “considerado do ponto de vista quanto possível cientificamente folclórico ou cientificamente semântico – como no Dicionário que agora aparece – o palavrão é elemento útil para a caracterização do ethos de uma sociedade ou das constantes de uma cultura ou da identificação de um tempo social”. Ou de um grupo social, né!
É isso! No contexto da reunião ministerial do dia 22 de abril, os palavrões usados pelo Cavalão e seus ministros apenas demonstraram que eles estão convencidos de que o Brasil é um quartel ou um pelotão de recrutas bêbados, enxumbregados. Só que não é! Daí o choque, entre as almas mais puras, mas – de novo – somente se ouvidos, os xingamentos, no contexto das barbaridades antidemocráticas, antinacionais e antipopulares pronunciadas pelos ministros e pela ministra Damares a Pior como se fossem propostas de governo.
Minha gente, atenção: o presidente xumbrega é salaz, indigno, indecente, descarado, sem-vergonha, sórdido e velhaco em sentido semelhante ao dos personagens fascistas retratados pelo Pier Paolo Pasolini no filme Salò ou os 120 Dias de Sodoma. Pelos pentelhos da Virgem, como diria Gilberto Freyre, o Bozo e seus ministros não têm um pingo de decência ou compaixão!
Freiras coradas – Aqui em casa, onde a gente cultiva a língua brasileira com especial carinho, a história é diferente. Temos a língua solta ou “souta maior”, em homenagem ao dicionarista primo do Aurélio. Certa vez fomos a São Luís do Maranhão de férias. Ficamos hospedados na praia de Olhos d'Água, na pousada de umas freiras indicada por um colega do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), onde eu editava o jornal Porantim. A Marina só tinha três anos.
Um dia, uma das freiras se ofereceu para ficar com ela para que a gente, eu, a Cristina e os dois moleques, pudesse dar uma volta mais longa. Achamos ótima a proposta. Andamos pra burro e até passamos na frente da casa do Sarney. Quando voltamos, as freiras estavam estranhamente alegres, morrendo de rir. Logo descobrimos o motivo.
Assim que a gente saiu para o passeio, uma das irmãs começou a conversar com a Marina, comentando que ela e os irmãos eram muito educadinhos, não gritavam, não xingavam. A Marina contestou. "Ah, mas a gente fala, sim, um monte de palavrão! Só que a gente não fala na frente de pessoas estranhas". Humpf! A freira então pediu para ela dizer alguns, em absoluta confidência. Sem se fazer de rogada, minha filha de três anos desfiou meio rosário de nomes feios, os mais cabeludos, para gáudio, júbilo e regozijo das freiras. Para quem não sabe, um rosário tem 150 contas, divididos em três partes iguais, daí é que vem o terço! (Pausa para as risadas!)
Família & Tradição - Essa história faz parte da nossa tradição oral, sempre contada junto com aquela piada, também clássica, da freirinha que foi costurar sem botar o dedal. Pic! Acabou furando o dedo. Com espanto, raiva e dor, soltou: “Ô, buceta, furei meu dedo! Caralho, falei palavrão! Ah, foda-se, eu não queria ser freira mesmo"!
Por óbvio, os palavrões constituem um dos territórios mais verdadeiros do léxico de qualquer língua. Saem das tripas, nosso segundo cérebro. Quem quer estudar português a sério, de maneira profunda, tem que ler o Bocage e o Gregório de Matos. Quem quer ser abrangente em brasileiro tem de conhecer o Jorge Amado e o Rubem Fonseca. Quem pretende se aprofundar em alemão, a sugestão é estudar certos trechos privados do Lutero e as cartas escatológicas do Mozart para a irmã e a mãe, as duas também muito saidinhas. Inglês? Convém folhear as cartas do Joyce para a Nora, de corar qualquer pimentão. Ah, o Freud explica, e antes dele o Rabelais e o Shakespeare.
O Cavalão, cagacazzo figlio di Troia, no comando da brutalidade em figura de ministério, aprendeu a xingar só no quartel. Daí a escassez miserenta de seus xingos. Parece que o stronzo do Bozo não teve tempo nem saco nem tino para aprender a riquíssima coleção de palavrões do italiano, a língua dos avós dele, que no cinema faz a graça dos diálogos dos chefões da Máfia, da Camorra e da ‘Ndrangheta.
Ei! Al Capone
Vê se te orienta
Assim dessa maneira, nego
A gente não aguenta!