"A vida é de quem se atreve a viver".


José Carlos Peliano: “Por que o presidente da Câmara dos Deputados não se reúne com o padre Júlio Lancellotti, que cuida dos pobres e necessitados de São Paulo?”
Democracia é governo do povo, qual povo?

José Carlos Peliano (*) –

Em meio à pandemia do vírus que assola o mundo e em especial o Brasil, e olhe que o dito popular diz que Deus é brasileiro, imaginem não fosse, outra pandemia de proporções mais alarmantes e sem perspectiva de curso toma conta do dia a dia de nosso país tropical. A absoluta falta de segurança do povo em relação a sua vida, ao seu trabalho, ao seu sustento e ao seu futuro.

Repetindo o que muitos outros já disseram, estamos vivendo um dos piores momentos de nossa história, se não o mais ultrajante. Um capitão ocupante do Palácio do Planalto que diz não ser responsável pela saúde, educação, trabalho, enfim tudo o mais que move uma nação sã e soberana, deixa a todos sem eira nem beira, jogados à sorte do salve-se quem puder. E ele para que serve então? Se o dito mandatário não se perturba com a sorte de milhões, quem será?

Tem servido para dinamitar o país e em particular as ações de prevenção da pandemia do vírus. O governo federal não fez até agora qualquer manifestação nacional nos meios de comunicação sobre o comportamento do povo nesse período conturbado de infecção pelo corona vírus, que já soma mais de 250 mil mortos. E ainda fica o capitão ocupante provocando aglomerações onde quer que vá sem uso de máscara, transmitindo ele mesmo e incentivando outros a fazerem o mesmo, gente de sua laia, incitando a crença na cloroquina e a outras esquinas que não levam a canto algum.

O nosso sistema sanitário está no sufoco, os hospitais com taxas de ocupação beirando os 100%, médicos, enfermeiros e auxiliares no limite da exaustão física, psicológica e emocional, enquanto a quantidade de brasileiros infectados e mortos aumenta a cada dia, estando agora em seu pior momento. E o Ministério da Saúde nas mãos de um General, que diz ser especialista em logística, imaginem, ter deixado de comprar vacina desde o ano passado quando alertado para a situação. Agora não se encontram disponíveis as quantidades requeridas para suprir as necessidades. Enquanto isso o vírus deita e rola e deita e rola mais gente para os cemitérios.

O quadro é alarmante e assustador. Nossas instituições se comportam como se nada de mal estivesse acontecendo, talvez porque não seja mesmo com eles diretamente os problemas, mas sim com o povo, mais pobre, sem trabalho, sem recursos, dependendo de uma ajuda pecuniária que foi interrompida e que tarda a voltar a acontecer. Fica a pergunta: que diabos estamos nós vivendo nesse caos e sem ter para onde correr? É para isso que pagamos tributos para manter instituições que não se movem, se comovem, se juntam a nós?

Estamos num trem fantasma, lembram-se dele nos antigos parques da juventude dos anos passados? No escuro com repentes de sustos, gritos e rangidos de todos os tipos. Só que nele, transcorrido um tempo, voltava-se à luz do dia na saída do trajeto. Agora o trajeto não tem fim e não se sabe onde e como irá terminar, se irá terminar quando e onde. Nesse nosso trem fantasma quotidiano a janela de um lado mostra o caos sanitário, já a janela do outro lado mostra o caos de nossa arrasada economia. Tudo leva a crer que se a situação pode vir a ser pior que essa com certeza será. Não há sinais visíveis no horizonte de que o vento pode vir a mudar de lado, mesmo com muitas e muitas ventarolas instaladas.

Se nossas instituições estão funcionando, a pergunta é para quem? A dita democracia em que vivemos é do povo, segundo consta dos alfarrábios dos arautos e ideólogos dela, mas sobra questionar, que povo caras pálidas? Certamente o povo verde oliva, da Justiça, do Congresso Nacional, da trupe da administração pública, dos donos da mídia, dos banqueiros e financistas, dos grandes empresários, dos latifundiários, vão muito bem e sem nada a reclamar ou declarar. E os demais 200 milhões que os sustentam e os mantém de uma forma ou outra? Esses estão na beira da estrada, se avolumando mais e mais, desde a descoberta do Brasil em 1500 sem chances de voltar a ela em busca de melhores dias e condições de viver e trabalhar.

Enquanto isso, para se ter uma ideia mais precisa do descalabro institucional que mantém o povo de fora das decisões, consta que o atual presidente da Câmara em jantar no dia 26 de fevereiro, com a turma da Febraban, aquela que reúne todos os banqueiros do país, disse que não irá separar da tal PEC emergencial, proposta de emenda à Constituição que “pretende” aliviar a situação econômica, a parte que garante o auxílio para os mais pobres por mais alguns meses. Ou seja, tudo junto e misturado para que se atrele o auxílio às rédeas exigidas pelo sistema bancário. Se este for mal, o auxílio irá também e vice-versa. Mais uma vez o dinheiro contra o povo.

Como se fossem de iguais medidas e necessidades nesse momento essas duas peças do tabuleiro. O dito popular já diz que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. A junção das duas é simplesmente para subjugar a de menor importância para eles, que é a do povo mais pobre, à de maior importância para a turma dos bancos. Sem falar no resto da PEC que não só congela os salários de todos os servidores públicos por dez anos, a despeito da inflação, como também os deixam passíveis de cortes de até 25% caso “haja necessidade” de ajuste nas contas públicas. O povo carregando a riqueza dos outros nas costas.

Como disse Luiz Gonzaga Belluzzo no “Mito da independência”, texto da Carta Capital de 17 de fevereiro agora sobre a sociedade capitalista: “os credores e proprietários da riqueza líquida costumam exigir mais “austeridade” e os devedores e despossuídos pedem mais generosidade por parte das políticas”, ao invés de defenderem “a política democrática, entendida como o âmbito por excelência da escolha humana na busca da igualdade e da liberdade”.

Para qual povo a democracia? Por que o presidente da Câmara não se senta à mesa para tomar café com pão e manteiga com os trabalhadores? Ou para tomar nada com os desempregados e moradores de rua? Ou com o padre Júlio Lancellotti que cuida dos pobres e necessitados de São Paulo? Ou com os índios que estão sendo encurralados e infectados no interior do Amazonas sem a proteção e o cuidado necessários. Ou com a vida de milhões dos brasileiros que pedem passagem para a normalidade sanitária e democrática? Para simplesmente colocar a democracia em marcha, aquela que é do povo, pelo povo e para o povo.

E por que seria ele o presidente da Câmara a tomar essas providências? Não só porque a Câmara é considerada a “casa do povo”, não sendo à toa que seus ocupantes foram eleitos de novo pelo povo, mas também porque o capitão ocupante não está nem aí para coisa alguma a não ser seus interesses pessoais, familiares e de chegados.


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(*) José Carlos Peliano é poeta, escritor e economista.

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