"A vida é de quem se atreve a viver".


Três Marias e um cachorro

Luiz Martins da Silva –

Este caso se passou num vilarejo da região de Três Marias e com três marias, de três idades e condições diferentes.

Mesmo sendo dia de Nossa Senhora da Abadia, a devota Maria da Conceição decidiu atender, pois o caderno acumulava inscrições para além dos expedientes.

Avisada, a novata Maria da Paz, de início, se desanimou, mas lembrou de seu voto: uma vez livre do exagero no sangramento mensal, também iria ajudar os necessitados.

Compareceu. E, ciente do advertido: “Não me faça muitas perguntas, leia o livrinho, o principal pelo menos, do Alan Kardec”. Vontade tinha. Alguns casos eram muito estranhos.

Daquele dia, um ficou martelando, mas, o cansaço das duas não abria ocasião para papo. Era de ter aparecido uma idosa, uma Maria das Dores, muito descontrolada. O único bem-querer que lhe restara, tinha morrido nos seus braços, de velhice, mas ela não aceitava.

A médium recomendou fosse viajar, ou fazer visitas, caridade, encontrasse distração... Quanto mais ela ficasse revivendo, maior a dificuldade de o bichinho se desgarrar, subir e ir ao paraíso dos animais.

Aquilo foi muito inquietante para a cambona Maria da Paz. Cambono é o nome que dão ao médium auxiliar. A cisma era: tanta gente precisando consolo por parente e aparecer encosto de cachorro. Mas, o fato, é que a ela, Maria da Paz, que nem se ligava em bicho deu de lacrimejar de saudade durante a consulta.

Para a dona do cachorro, a recomendação fora clara: “Ou a senhora se desliga, ou ele não vai subir, vai ficar sofrendo por ver que a senhora não se conforma. Ele cumpriu a missão, merece descansar”.

Umas duas semanas ou mais, e lá veio de novo a Dona Maria das Dores.

– Ela está de novo inscrita –, a cambona avisou.
– Temos de atender, contemporizou a mãe-de-santo –, nossa missão é confortar os que padecem.
– Mas, obsessão canina?

A médium veterana foi quase ríspida: “Pelo jeito, você não leu o livrinho”.

Acontece que Dona Maria das Dores não viera trazer dor. Ao contrário. Espargia satisfação. E, de fato, as duas sensitivas sentiram uma agradável sensação de paz.

– E então, Dona Maria, como está?
– Muito bem, sinto-me muito bem, pois o meu queridinho Nestor voltou. E como ele está muito bem, eu também me sinto muito bem, ah, como eu agora estou bem!
– Que bom, mas o que ainda podemos fazer pela senhora?

Todavia, a cambona estava confusa e quis, antes, se certificar:

– Mas, então, Dona Maria, ele não morreu de verdade, ele tinha era fugido!
– Morreu, sim. Morreu nos meus braços, mas aos meus braços ele voltou.

Mas, como ele voltou feliz, eu também estou muito feliz.

Maria da Conceição e Maria da Paz suspiraram e não mais interromperam a consulente. E, emocionadas, esperaram o que Dona Maria ainda tinha por dizer.

– Eu fiz como vocês mandaram. Consegui fazer. Eu abri os braços e deixei ele ir.

E, aí, o sofrimento me deixou e passei a me sentir muito bem. Então, ele foi. E depois que eu me conformei, ele voltou, mas eu não sofri mais, pois eu vi como ele está bem, lá no céu deles, no céu dos animais.

– Mas se ele está lá, como é que ele voltou? – Insistiu a cambona.
– Em sonhos, moça. Em sonhos é que ele voltou.

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