"A vida é de quem se atreve a viver".


“O estrangeiro veio se aproximando, de longe e aos poucos, com rodeios, feito fera covarde que espreita o terreno para devorar os mais fracos. Dito e feito. Ele escolheu sua presa e sem razão alguma chutou as bolinhas de gude do Manézinho.”
Um estrangeiro bom de chute

 Luiz Martins da Silva –

Corria a vida no seu de sempre e na morosidade dos cotidianos do bairro de baixo, quando um dos meninos do bairro de cima apareceu no nosso território, tudo bem, o mundo não é de ninguém.

O estrangeiro veio se aproximando, de longe e aos poucos, com rodeios, feito fera covarde que espreita o terreno para devorar os mais fracos. Dito e feito. Ele escolheu sua presa e sem razão alguma chutou as bolinhas de gude do Manézinho.

Cada um de nós, isto ficou conversado, quis reagir, mas, a surpresa maligna nos deixara sem ação. Porém, nos sentimos muito mal e cercamos o Mané, dizendo que isto não ficaria assim, que a honra dele seria lavada, se preciso com muito sangue.

O Manézinho, coitado, aí é que o bichinho ficou mesmo aturdido. Não, por favor, não, esta maneira não é boa para mim, eu prefiro ficar assim, depois, ele me pega uma hora sozinho e vai descontar em mim, ele é valentão, e é daquele povo mal, os forasteiros.

O sentimento coletivo foi mais forte e o Zeca, que já tinha 14 anos e era parrudo, convenceu. Que nada, ele levando um corretivo, amofina, nunca mais vai ter petulância. E se você não quiser ir junto, Mané, nós compreendemos, você fica na sua, deixa isso com a gente.

No dia combinado, o primeiro sucesso foi cada um ter conseguido mentir em casa, dizendo que um professor havia passado um trabalho de grupo e que a reunião para isto seria naquela tarde. O Manézinho, para não desmentir os colegas, acabou tendo de ir junto, morrendo de medo, não queria violência, sangue, jamais.

Ninguém levou arma, a não ser cadernos e lápis, isto fazia parte do disfarce de dever de casa. Mas, coincidência, todos tinham nos bolsos das calças as suas bolinhas, como que por instinto, a brincadeira seria um modo de comemorar, depois. Mas, faro de fera é fino, quem disse que o estrangeiro apareceu? O jeito foi irem a casa dele. Que coragem! E se ele tivesse irmãos, e ainda mais valentes? E se o pai dele fosse o mestre das brutalidades?

A casa deles, casa boa do bairro alto, tinha uma calçada, uma mureta, um jardim interno e a entrada era limpa, alinhada, cimento vermelho polido, coisa decente. E agora? Todos quietos, então, o Zeca se moveu: abriu a cancelinha de ferro, e aquele rangidinho ressoou medo na espinha, qualquer coisa, coisa de bando, sairiam correndo.

O Zeca tocou a campainha e voltou rapidinho. O grupo ficou parado, esperando, armados com os seus cadernos, lápis e as bilocas no bolso. Bingo! Quatro a um, o um foi quem veio abrir a porta. O susto foi grande, pois ele bateu a porta, correu para dentro. Vamos ficar um tempo aqui, determinou o Zeca. E se nada acontecer, o recado já está dado.

Quem apareceu foi a mãe do menino valentão, uma senhora elegante, decente, vistosa, cabeça erguida, pronta para defender a cria e enfrentar até um pelotão de infantaria. O que se passa aqui? Foi logo dizendo. Nada, respondeu o Zeca, é que nós viemos chamar o colega para uma partida de chutar biloca, uma novidade que ele inventou no recreio.

A mulher não era besta, percebeu o conjunto da situação, pediu um momento e voltou para dentro de casa. Até que demoraram pouco. Ela voltou com o menino aos prantos, com a cara pra baixo e pedindo desculpas. Ou seja, no arrocho, ele contou a porcaria que tinha feito. Tá desculpado, assunto encerrado, o Zeca foi bem positivo.

Mas, a mãe do menino é que ainda não se dera por satisfeita. Então, disse ela, se vocês, de fato, perdoam o que ele fez, então, cada um de vocês vai dar um abraço nele. E foi o que aconteceu. Foi um chororô. Todo mundo derramando lágrimas, abraçando o estrangeiro, a mãe dele também era toda abraços.

Agora vão, disse ela. E fomos. E foi assim que o Maurício ficou sendo um dos nossos melhores amigos.

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