"A vida é de quem se atreve a viver".


Bolsonaro condecora Aras, encarregado de julgar denúncias contra o Prersidente, e o acusado ministro Weintraub. (Ilustração/Blog do Esmael)
A democracia e a consciência de seus traidores

Luiz Martins da Silva -

“Triste do país que precisa de heróis”. (Bertold Brecht) 

Terrível, mas é dever dos brasileiros genuínos defender o país, o povo, e as instituições das ações nefastas deste esquadrão da morte cívica, pessoas torpes, cujo crime maior é se valerem da própria democracia para destruí-la. E ainda se aproveitando de um momento trágico para o país e para a Humanidade para perpetrar outra tragédia, a montagem de uma ditadura supostamente para atender “o clamor do povo”.

E o fazem glorificando a Deus e vociferando ódio e injúrias, bem como brandindo ameaças e avisando da violência de que são capazes, ‘não uma questão de se, mas quando’. Que República é esta que indivíduos se sentem capazes de quebrar-lhe a espinha dorsal com ‘rupturas’ e consequências ‘imprevisíveis’?

A quem pedir socorro, se as próprias instituições estão em risco? A uma tragédia sanitária se soma outra. Triste da sociedade que tem de se defender de quem se elegeu jurando defendê-la. Mas é um dever, ainda que estejamos fragilizados e exilados das condições de exercermos fisicamente a vida pública. Covardia é pouco para designar a tomada de assalto que está sendo tramada e até mesmo anunciada.

Na frase-epígrafe de autoria do dramaturgo alemão Bertold Brecht, “Triste do país que precisa de heróis”. No caso do Brasil, heróis são os cidadãos comuns que, no seu voto de eleitor e de confiança, empoderam pessoas que se revelam carrascos. O da Economia se gaba de ter colocado uma granada no bolso ‘deles’. O da Educação é tão elitista que não está nem aí para as condições sociais dos candidatos do Enem – “Isto aqui é um sistema seletivo”. E não vai sossegar, se permanecer, enquanto não explodir o busto de Paulo Freire que está em frente ao prédio do MEC, símbolo de uma educação popular.

Quem assistiu algo parecido, aos 13 anos de idade, em março de 1964, conhece os sintomas e as ânsias de náusea face às lufadas do enxofre. Desta vez, no entanto, há acréscimos mais perniciosos do que ideológicos: o linguajar chulo, as vinganças escatológicas, os rompantes e a prepotência: “Vou acabar com esta porra!”; “Tem que prender esses vagabundos!”; e estouros do tipo “Chega, passou dos limites”. Ora, imagine, mexer com “mídia a favor” (leia-se terrorismo digital). Em relação à “mídia do contra” (jornalismo), “Quem for elogiado por ela será demitido”. 

Em meio aos desrespeitos às noções básicas da relação intrínseca entre imprensa e democracia (com responsabilidade), sempre as escusas esfarrapadas, “houve má interpretação”; ou autodefesas e advocacias com alegações cândidas, “mero exercício da liberdade de expressão” e pedidos estranhos de habeas corpus, redigidos por solícitos, porém inadequados arguidores de excludentes de ilicitude.

Importante lembrar que a velha Lei de Imprensa previa a ‘exceção da prova da verdade’ como proteção privilegiada ao Presidente e a uma lista de outras autoridades. Tradução: mesmo comprovada uma denúncia, os denunciados podiam processar os jornalistas, os veículos de imprensa e até a gráfica impressora. No momento, os mesmos locutores de impropérios não titubeiam em processar jornalistas, por matérias que julgam ofensivas à sua reputação. E quanto aos assassinos de reputações, que agem clandestinamente (o que é proibido pela Constituição), defendem também para eles uma excludente de ilicitude. Até foram recebidos pelo Presidente como autênticos comunicadores.

Tudo que os déspotas querem é: popularidade baseada em promessas milenaristas e juras de instauração de novos paradigmas morais. Uma vez no “poder”, não conseguem conviver com os pesos e contrapesos das instituições democráticas: a imprensa crítica é a primeira a ser objeto de represálias. A Advocacia Geral da União (AGU) passa a ser vista como advocacia de pessoas; a Procuradoria Geral da República (PGR) passa a ser a instância mais elevada de um sistema de blindagem de governantes; o Judiciário passa a ser visto como polícia política subordinada ao gosto e mando de quem diz com a boca cheia “O supremo, sou eu.

Jornalistas sabem, por experiência cotidiana, o quanto as fotografias desgostam as autoridades. Imagens são reveladoras das expressões faciais de quem trai os ideais em nome dos quais foram eleitos e de quem se vê, em nome da sobrevivência político-fisiológica, obrigado a desrespeitar as instituições democráticas e republicanas. Há nessas feições registros de intranquilidade interior. Também a consciência revela sinais de estafa moral. Exceção a sociopatas, a consciência moral não se ausenta de todo das mentes, mesmo quando os seus sujeitos procuram destituí-la. É mera ilusão acreditar que existam sujeitos psicológicos no exercício de discernimento à prova de remorso.

Vergonha é uma planta que rebrota. Lamentavelmente, quase sempre tarde, mas há exceções. Tenhamos esperança, mesmo quando a desonra ganha foros de autoelogios e deboches por parte de agressores. Forças hão de surgir. As de paz também têm o seu valor. E nem todas as armas têm o porte que a dignidade empresta aos injustiçados. Nem todos os que estão legalmente armados estão dispostos aos usos ilegítimos dos armamentos. Também as instituições têm reputação. As Forças Armadas são do Estado e não para estar ‘comigo’ ou ‘inimigas’.

A quebra de confiança não é algo para queixa unilateral. Também o comandante pode perder a confiança de quem legalmente é comandado, mas já não lhe concede legitimidade. A vaidade no presente pode resultar em saldo de infelicidade no futuro e na História.

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