Romário Schettino –
Nunca se viu tanto interesse do Brasil nas eleições presidenciais dos Estados Unidos como agora. A subserviente postura de Jair Bolsonaro ante Donald Trump é o pano de fundo de um cenário melancólico. Dois políticos de extrema-direita que mostram ao mundo o que há de pior no enfrentamento à pandemia e que promovem ataques ao conhecimento científico, às minorias, aos direitos humanos, ao meio ambiente.
A imprensa brasileira entrou de corpo e alma na cobertura, 24 horas no ar. É como se as eleições fossem aqui e agora.
Da potência americana não se espera nada que não seja a defesa intransigente de seus interesses. E o que quer o Brasil com sua política de submissão? Bolsonaro, que não tem direção política em nenhuma área de seu governo, rasteja por migalhas que sequer são despejadas da mesa de Tio Sam. Bolsonaro só tem uma esperança, que Donald Trump vença a eleição, de quem já se declarou (absurdamente para um chefe de Estado) fã e aliado incondicional.
Ontem, Bolsonaro disparou seus costumeiros twitters para dizer que “há uma clara interferência externa na eleição dos EUA”, prevendo o mesmo “no Brasil em 2022”. Afirmações vagas e sem destino, como de seu feitio.
Aliás, como bem disse o cientista político José Álvaro Moisés, ao jornal Estado de S. Paulo, “Bolsonaro tem uma vaga noção do que ocorre no mundo e confunde os interesses de mercado com posição ideológica”.
Joe Biden já mandou recados: “Queremos uma Amazônia protegida para o bem do mundo”. E ainda disse que haverá retaliações se Bolsonaro resistir a cumprir essa tarefa.
É por insensatez desse tipo que o Brasil vem perdendo posição no mercado internacional. A tendência da Europa é cada vez mais exigir cuidados ecológicos e sustentabilidade ambiental para continuar comprando produtos brasileiros. Mas o (anti)ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, finge que não é com ele, para desespero da ministra da Agricultura. A China, nosso principal parceiro comercial, já está pensando em diversificar a aquisição de soja na África e em outras partes do mundo, já que Bolsonaro tem se mostrado bastante hostil ao governo chinês. E por aí vai a (anti)diplomacia brasileira comandada por um incompetente ministro teleguiado pelo lunático astrólogo Olavo de Carvalho.
A esquerda e o centro democrático brasileiros preferem Joe Biden, mais pelo valor simbólico que a derrota de Trump representa para o bolsonarismo momentaneamente no poder.
Pelo mundo – Para a América Latina, Joe Biden pode distender um pouco as relações com Cuba e retomar as negociações para o fim do embargo econômico. A aproximação com o regime cubano, iniciada pelo democrata Barak Obama, foi suspensa por Trump.
A Venezuela, que é um assunto ditado pelo Pentágono, não pode esperar muitas vantagens, mas terá que continuar sendo apoiada pelo triunvirato Rússia, China e Irã. Para esses três países, tanto faz, Republicanos ou Democratas. Mas a avaliação é que Trump enfraquece mais os EUA que Biden.
A Europa prefere Biden, que provavelmente voltará a reforçar a OTAN para conter a Rússia e manter o Iraque e a Líbia sob controle. A Síria continua sendo território russo. Comercialmente os europeus são competidores e disputam mercados com os EUA, mas isso se resolve nos organismos internacionais controlados por eles mesmos.
A Europa também precisa dos EUA para resolver o problema dos imigrantes. Alguma providência terá que ser tomada para diminuir o sofrimento das vítimas das guerras, dar o mínimo de dignidade aos sobreviventes, antes que uma explosão social se espalhe por todos esses países com previsões catastróficas.
A China já se prepara para enfrentar o resultado que vier das urnas. Tem a economia mais forte do mundo e está disposta a responder a qualquer ameaça com o seu modo chinês de ser. O governo de Pequim precisa alimentar uma imensa população e para isso não vai poupar esforço algum. O EUA de Biden, ou de Trump, que se preparem. E o Brasil também.