Romário Schettino –
“O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil.” A frase afirmativa é do embaixador brasileiro em Washington, Juracy Magalhães (1964 a 1965), e foi usada por décadas para ironizar os “entreguistas” da direita e da extrema-direita no Brasil. E ainda é usada até hoje pela esquerda e pela extrema-esquerda nacionais com o mesmo sentido irônico.
No entanto, com a derrocada de Donald Trump, “amigo desejável” de Jair Bolsonaro, cabe refazer a frase, agora como pergunta: “O que é bom para o EUA é bom para o Brasil?”. E acrescento: ”É bom para a América Latina?”.
Parte da esquerda brasileira festeja o sentido simbólico da derrota de Trump. Ao mesmo tempo alerta para a natureza imperialista dos EUA, que funciona como na história do escorpião montado no sapo que o ajuda a atravessar a correnteza.
Há euforia e prudência. É fácil entender a euforia da oposição brasileira. São vários os recados provenientes dessa vitória, suada, de Joe Biden e Kamala Harris. É clara a aproximação deste renovado Partido Democrata, ou em vias de renovação, com os movimentos sociais e suas políticas identitárias. A ativista Ângela Davis reconhece que Kamala, mesmo com seus problemas históricos – o de não ter sido contra a pena de morte, por exemplo – é um alento na Casa Branca.
O olhar dos democratas para a valorização da saúde pública estatal reforça a defesa do SUS e valoriza o que se pode chamar de Estado de bem-estar social com proteção orçamentaria. Política iniciada com êxito por Lula e ameaçada por Bolsonaro. A privatização do SUS só não ocorreu por causa da pandemia.
Outra visão positiva de Biden vem de sua defesa do meio ambiente, num recado direto dado a Bolsonaro durante a campanha.
A prudência é dirigida à histórica trajetória de Biden na guerra do Iraque. Ele era presidente da Comissão de Relações Exteriores e ajudou o presidente Bush a aprovar o bombardeio contra Sadam Hussein e a entrada dos EUA em várias guerras mundo afora. Biden diz, agora, que se arrependeu do apoio dado a Bush. Mas foi no governo Obama, do qual ele foi vice-presidente, que cresceu o número de invasões, ataques aéreos a países estrangeiros.
América Latina – Por outro lado, foi no governo Obama que se iniciou a aproximação com Cuba, interrompida por Trump. A Venezuela, que vinha sendo constantemente ameaçada de invasão com apoio do Brasil e Colômbia pode ganhar fôlego para iniciar negociações com autonomia e independência. Maduro tem padrinhos fortes. China, Rússia e Irã estão na retaguarda. Não é atoa que esses países estão na linha da prudência em relação aos resultados eleitorais, aguardam mais definições, há muito interesse econômico em jogo.
O novo governo da Bolívia, com o respaldo da Argentina, e mudanças sinalizadas vindas do Chile, pode ter, a partir de agora, uma longa vida de tranquilidade. As enormes reservas de lítio dá à Bolívia grande poder de força. O presidente Luis Arce tem experiência e sabedoria suficientes para superar a pressão da extrema-direita boliviana. Mais do que isso, tem apoio popular e maioria no Congresso.
Evo Morales, de volta ao lar, prepara para se defender das acusações que o levaram ao exílio politico na Argentina e, quem sabe, se candidatar nas próximas eleições ao Senado, como também quis e foi impedido.
É neste cenário que os EUA de Biden vão se movimentar. Por enquanto, é preciso saber quem vai conduzir o seu Departamento de Estado, equivalente ao Ministério das Relações Exteriores. Se for Hilary Clinton, como se prevê, haverá problemas graves. Hilary é linha dura. Espera-se que a esquerda do Partido Democrata não permita.
Fim – Até que Donald Trump aceite a derrota, vamos ter que passar os dias pandêmicos ouvindo e vendo o noticiário brasileiro expondo a esculhambação nas eleições estadunidenses. Os mais engraçados memes na internet também esperam o biquinho típico de Trump dizendo que desistiu de lutar contra a imprensa “esquerdista” dos Estados Unidos.
Joe Biden e sua festejada, e sorridente, vice-presidenta, Kamala Harris (na foto, acima), já se preparam para governar com uma comissão de cientistas para cuidar da pandemia. Uma resposta ao negacionismo de lá, e de todas as partes do mundo, inclusive do Brasil de Bolsonaro.
Enfim, se foi bom para os Estados Unidos pode ser bom para o Brasil. 2022 é logo ali.