"A vida é de quem se atreve a viver".


Konstantinos Kaváfis (29/4/1863 – 29/4/1933) inspirou Rosa Weber com o poema “À espera dos bárbaros”.
O voto da ministra e a poesia

Romário Schettino –

O tão esperado voto da ministra Rosa Weber chamou a atenção por dois motivos: primeiro, porque ela respeitou a Constituição ao votar contra a prisão em segunda instância; segundo, o mais tocante, foi a invocação da sensibilidade poética de Konstantinos Kaváfis(*) para mostrar que não é possível ceder ao clamor das ruas sem submeter a Justiça.

O sentimento jurídico da ministra, desenvolvido em linguagem nem sempre compreendida pela maioria das pessoas comuns, encontrou nos versos de Kaváfis o toque perfeito que só os grandes poetas são capazes de produzir.

Rosa Weber deu a resposta exata para as desonestidades intelectuais e a retórica da catástrofe utilizadas nos argumentos de alguns dos defensores da prisão em segundo grau.

O Supremo Tribunal Federal (STF) só não ficou à altura deste voto porque o seu presidente Dias Tófolli resolveu esticar as cordas para ver se vai cumprir o seu papel com dignidade ou se vai ceder à pressão dos bárbaros, ou da barbárie.

Como tudo ficou para novembro, fiquemos aqui meditando com os versos de Konstantinos Kaváfis.

À espera dos bárbaros

Konstantinos Kaváfis (*)

 

O que esperamos nós em multidão no Fórum?

Os Bárbaros, que chegam hoje.

Dentro do Senado, porque tanta inação?

Se não estão legislando, que fazem lá dentro os senadores?

 

É que os Bárbaros chegam hoje.

Que leis haveriam de fazer agora os senadores?

Os Bárbaros, quando vierem, ditarão as leis.

 

Porque é que o Imperador se levantou de manhã cedo?

E às portas da cidade está sentado,

no seu trono, com toda a pompa, de coroa na cabeça?

 

Porque os Bárbaros chegam hoje.

E o Imperador está à espera do seu Chefe

para recebê-lo. E até já preparou

um discurso de boas-vindas, em que pôs,

dirigidos a ele, toda a casta de títulos.

 

E porque saíram os dois Cônsules, e os Pretores,

hoje, de toga vermelha, as suas togas bordadas?

E porque levavam braceletes, e tantas ametistas,

e os dedos cheios de anéis de esmeraldas magníficas?

E porque levavam hoje os preciosos bastões,

com pegas de prata e as pontas de ouro em filigrana?

 

Porque os Bárbaros chegam hoje,

e coisas dessas maravilham os Bárbaros.

 

E porque não vieram hoje aqui, como é costume, os oradores

para discursar, para dizer o que eles sabem dizer?

 

Porque os Bárbaros é hoje que aparecem,

e aborrecem-se com eloquências e retóricas.

 

Porque, subitamente, começa um mal-estar,

e esta confusão? Como os rostos se tornaram sérios!

E porque se esvaziam tão depressa as ruas e as praças,

e todos voltam para casa tão apreensivos?

 

Porque a noite caiu e os Bárbaros não vieram.

E umas pessoas que chegaram da fronteira

dizem que não há lá sinal de Bárbaros.

 

E agora, que vai ser de nós sem os Bárbaros?

Essa gente era uma espécie de solução.

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(*) Konstantinos Kaváfis, poeta, nasceu a 29 de abril 1863, em Alexandria, Egito, e morreu em 29 de abril 1933, também em Alexandria. É considerado o maior nome da poesia em idioma grego moderno. Ele trabalhou durante trinta anos na Bolsa de Valores Egípcia. Permaneceu em Alexandria até sua morte por motivo de câncer de laringe.

Kaváfis era um cético e questionava a Cristandade, o patriotismo e a heterossexualidade. Publicou 154 poemas e cerca de mais uma dúzia permaneceram incompletos ou no esboço.

Kavafis em vida não publicou nenhum livro. Seus poemas eram distribuídos em feuilles volantes (folhas soltas) ou, então, publicados em algumas revistas literárias. Em 1935 publicou-se o livro póstumo com os 154 poemas.

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