"A vida é de quem se atreve a viver".


Os espanhóis vão às eleições em novembro carregando o dilema: ou o fantasma do franquismo ou a nova onda independentista da Catalunha.
O dilema espanhol

Romário Schettino –

Desde que a guerra civil levou ao poder o generalíssimo Franco, caudilho com a graça de Deus, a Espanha não teve mais sossego. O fantasma do franquismo, que durou longos 40 anos, assusta até hoje e ameaça voltar. O país vem sendo sacudido pelos independentistas catalães que, nos últimos dias, botaram fogo em Barcelona, inconformados com as duras penas aplicadas aos líderes do movimento.

O atual confronto atropela as eleições convocadas para novembro, diante da impossibilidade do socialista Pedro Sánchez de formar maioria para governar sem o apoio dos esquerdistas Unidos Podemos, de Pablo Iglesias.

Embora não sejam as únicas, duas questões básicas afastaram o Podemos do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Pedro Sánchez. A questão da Catalunha e a política de austeridade econômica exigida pela União Europeia. Dois pontos que praticamente inviabilizaram o acordo de governabilidade à esquerda.

O Podemos defende que os catalães decidam o seu futuro por conta própria. O PSOE quer diálogo, mas dentro da legalidade, respeito à Constituição e o fortalecimento do Estatuto da Autonomia. O problema é que a Constituição espanhola não permite um plebiscito como o que foi feito na Catalunha. Tanto é assim que os responsáveis pela consulta popular foram presos e condenados a até 13 anos de cadeia. O presidente da Catalunha eleito e foragido, Carles Puigdemont, vive na Bélgica, país que não tem acordo de extradição com a Espanha.

Outro problema adicional é o racha da esquerda. Iñigo Erejón deixa o Podemos e tenta criar um novo partido, o Más País. Embora não tenha conseguido grandes avanços na Catalunha, pretende disputar nacionalmente. Enquanto isso, o ultradireitista Partido Vox, de Santiago Abascal, vem crescendo entre os catalães desde os conflitos de rua.

A direita, comandada pelo Partido Popular (PP), de Pablo Casado, sucessor de Mariano Rajoy, também não tem maioria, mas pode reunir seus dissidentes aninhados no Ciudadanos e no Vox. Esses dois pequenos partidos não aceitam a independência da Catalunha e são radicais na defesa de políticas econômicas neoliberais.

Os espanhóis estão entre a cruz e a espada. O que vai ser da Catalunha é mais ou menos previsível, a independência não virá. Mas o que vai acontecer com a Espanha faz parte do dilema. Ou a esquerda se une aos socialistas, ou a direita retorna ao poder com mais força. Nessa volta, abrem-se os armários onde dormem as viúvas de Franco e o estrago pode ser ainda maior.

Coincidência ou não, o Tribunal Superior espanhol decidiu que os restos mortais de Francisco Franco, retirados do Vale de los Caídos, devem ser enterrados no Cemitério Mingorrubio, em El Pardo, arredores de Madri. Lá está construído o panteão da família do ditador, que abriga, desde 1988, a mulher de Franco, Carmen Polo Martínez-Valdés.

Em conversa com observadores em Barcelona e Madri, é possível concluir que consolidado o fracasso dos socialistas, a direita volta com tudo, incluindo aí ampliação de espaço para os militantes da extrema-direita do Partido Vox, também conhecidos como os “fachas”.

Segundo essas fontes, a Espanha precisa de um novo José Luiz Rodriguez Zapatero (PSOE), que governou o país de 2004 a 2011 e conduziu com sucesso as negociações com o País Basco a ponto de abrir caminho para a extinção do grupo separatista militarizado ETA em 2018. O separatismo basco está adormecido, mas a extrema-direita espanhola não gosta desse conforto.

Nesse emaranhado de poderes, nacionalismos, riquezas, a burguesia catalã se considera prejudicada com a extinção, pelo Tribunal Superior, de 14 artigos do Estatuto da Autonomia e acha que os 16 bilhões de euros anuais que a Catalunha envia de impostos a Madri não retornam na mesma proporção. Os números são contestados, mas o fato é que essa é a região mais rica da Espanha.

No entanto, uma eventual separação pode trazer mais prejuízos que vantagens aos catalães no mundo globalizado de hoje. Muitos bancos e muitas indústrias já não são apenas locais, estão lá por alguma conveniência empresarial. Por isso, os analistas acham que essa pressão do povo na rua, principalmente dos jovens estudantes, ajuda a obrigar o governo central a ceder e melhorar o Estatuto. “Há muita manipulação”, dizem essas mesmas fontes.

Até recentemente o partido catalão Convergência e União (CiU), comandado por Jordi Pujol, compunha com o Partido Popular. Essa “revolta” atual causa certa desconfiança em setores catalães que são contra os independentistas. Ou seja, o crescimento do Vox na Catalunha explica um pouco essa contradição, a burguesia diz que é independentista, mas apoia a extrema-direita que é contra.

O certo é que, no momento, a conveniente união do CiU com a esquerda radical e a juventude estudantil está impedindo qualquer saída negociada com o governo de Sánchez.

Outro problema derivado da atual crise são as chamadas sentadas nas praças, nos centros turísticos e no aeroporto. O turismo, que é uma das principais fontes de renda da região e da Espanha, é o mais prejudicado.

Assim vão os espanhóis às urnas mais uma vez. Enquanto isso, as ruas pegam fogo, literalmente.

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