Romário Schettino -
A falta de apoio do governo na Câmara dos Deputados levou o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao desespero. A sua reforma da Previdência subiu no telhado e é mais provável que caia de lá por falta de legitimidade, confiança e de quem, de fato, dê sustentação às suas ideias.
Não foi o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) o responsável pelo destempero verbal do ministro, foi a falta de apoio da base governista. Pelo visto, ninguém quer botar o guizo no pescoço desse tigre que ameaça os mais pobres. Não adianta dizer que apontar esse perigo é demagogia, a proposta é prejudicial à grande maioria e, pior, joga no imponderável o futuro dos jovens (que um dia serão idosos) e dos idosos atuais.
Que é preciso alguma mudança não há dúvida. FHC, Lula e Dilma fizeram alterações no regime de aposentadoria brasileiro sabendo que tinham que corrigir distorções surgidas ao longo dos anos. É preciso mais? Sim, mas o problema dessa proposta é sua extensão e, sobretudo, quando se questiona a legitimidade do governo eleito, que não colocou o tema em debate durante a campanha eleitoral. Alíás, Bolsonaro se recusou a debater qualquer coisa.
A frase de efeito utilizada pelo ministro Paulo Guedes, quando disse que o Brasil gastou em 2017 dez vezes mais com os aposentados (o passado) do que com o futuro (a educação), agradou setores da imprensa, mas merece críticas.
Primeiro, o congelamento dos gastos com educação por 20 anos ainda não foi revogado e o governo nem fala nesse assunto. Segundo, não é propondo a retirada dos direitos dos idosos, que sustentaram o país no passado, que será garantido o futuro da educação. Guedes não propôs nada até agora para aumentar os investimentos em educação e pesquisa.
A mudança do sistema de repartição, solidária, para o de capitalização exige alteração na Constituição, que é questionada do ponto de vista jurídico. Esse direito é cláusula pétrea? Mesmo que essa dúvida seja superada, há ainda o problema da falta de clareza sobre quem vai gerir os fundos. Quem participa da composição dos fundos? Guedes jura que os gestores não serão os banqueiros. Também não explica como esses fundos serão compostos. Os deputados não estão dispostos a dar esse cheque em branco para nenhum governo.
“Se o novo sistema proposto é tão bom por que o governo deixou os militares de fora dela?”, perguntou o deputado Paulo Pimenta (PT-RS). Guedes, mais uma vez irônico, disse que o Parlamento é que decidirá o que fazer com a Previdência dos militares. Ou seja, o governo não sabe o que fazer. E mais, por que o governo não faz a reforma tributária? O sistema tributário brasileiro é o mais injusto de todos, os trabalhadores são os mais cobrados e os que menos recebem de volta o que pagam.
Outra pergunta básica, fundamental, feita pela deputada Gleisi Hoffman (PT-PR) ficou sem resposta: “Se o regime público de aposentadoria for extinto, como quer o governo, quem vai pagar os aposentados atuais?”.
E foram inúmeros os deputados que questionaram o ministro sobre o que virá depois se a reforma for aprovada. A sessão foi encerrada sem conclusão e o clima não está nada bom para o governo. É melhor ir com calma para um sistema mais justo para todos do que correr para aprovar algo que deixa mais dúvidas do que certezas.
A única concessão feita por Guedes foi admitir a manutenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para os miseráveis trabalhadores rurais que recebem mesmo quando não conseguem contribuir com a Previdência. Mas o BPC não passa de um bode na sala, o problema da reforma é bem mais amplo.
O que diz uma brasileira que vive no Chile?
A propósito da menção ao sucesso da reforma da Previdência chilena, defendida por Guedes, a brasileira Caroline Quandt, que mora no Chile, publicou nas redes sociais seu depoimento com o título: "Torcendo para dar errado? Então deixa eu te falar sobre o que é ´torcer para dar errado´".
“Eu vivo a reforma. Eu vivo no Chile, onde o Paulo Guedes dono do Banco BTG Pactual, maneja fundos de pensões de aposentadoria. Eu vivo num país onde diariamente cresce o índice de suicídios na terceira idade (4 na semana passada, todos nos trilhos do metrô), porque eles não têm dinheiro para sobreviver. Porque ou eles pagam aluguel, ou as contas, ou os remédios.
Eu vivo num país, onde a terceira idade vende badulaques na rua, para complementar a miséria que bancos como o do Paulo Guedes lhes dão, ainda que eles usem esse dinheiro do suor do trabalho dessas pessoas para ganhar o triplo. Eu vivi para ver a avó do meu ex, receber uma cartinha, dizendo que o fundo dela havia acabado, e sua pensão de cerca de R$ 500 reais, havia chegado ao fim e por isso ela ia passar a receber um auxílio do governo de R$ 350.
Eu não sou uma menininha ´torcendo para dar errado´, eu sou uma mulher que vê todos os dias nas ruas chilenas a desgraça anunciada que é essa reforma. Eu sei que vai dar errado. Mesmo sabendo que existem sistemas melhores e mais justos, mas o Guedes quer esse, porque nesse ele já está no esquema".