"A vida é de quem se atreve a viver".


Ilustração: Paulinho  Andrade
Não amolem, abutres

Angélica Torres -

De perigosas e violentas a assustadoramente patéticas, as cenas dos tais “patriotas” vêm ditando a pauta das redes sociais há mais de duas semanas, com o foco na manipulação dessa bolha verde-amarela pelo gabinete do ódio do Planalto, pelo generalato ligado ao seu candidato derrotado nas urnas e pelo empresariado louco por lucros. Enquanto isso, a grande mídia posa com seu discreto charme, toda blasé, toda cool, toda bacana, como se não tivessem a ver com ela os atos criminosos, inconstitucionais, diariamente cometidos pelos mentecaptos úteis.

Valendo então aqui lembrar que antes de a internet entrar em cena, a mídia já tinha criado esse cabuloso estilo de noticiar fatos. Mas é claro que os espertalhões da plataforma digital dominaram o know-how da “coisa”, reforçando o caos do noticiário de fios trocados, os conceitos truncados, com o fuxico, a futrica, a fraude, a falsidade, alastrando a moda do F for fake nas telas e fora dela, porém, repetindo: a exemplo dos tradicionais e maiores veículos de comunicação do país.

Xô, amnésia! – Quem não se lembra das rumas de cédulas sendo vomitadas de um óleoduto na cara dos telespectadores da TV Globo e dali se espalhando para as demais emissoras e jornais, revistas, rádios, sites, emporcalhando e incriminando a reputação do então candidato e ex-presidente de novo reeleito, Luis Inácio Lula da Silva, e do Partido dos Trabalhadores?

E toda a mentirada voraz e perversa da fake Lava Jato e da citada TV mancomunada, que foi se derivando e se multiplicando com o little help de toda a imprensa brasileira & seus cordatos porta-vozes e agentes de notícias? Não é preciso relembrar nem desenhar os desdobramentos da farsa, com as nefastas consequências colhidas desde então. Sabemos de cor e salteado. Então, não é caso de mais um mero desvio para o vermelho (com licença, Cildo), nem para o inominável fenômeno verde-amarelo.

Vejam que, da parte dos mesmos responsáveis pelo ódio de classe intensamente direcionado ao presidente Lula e seu partido, não se fazem hoje coberturas de mesmo entusiasmo, mesma verve, mesmo veneno, mesmo comprometimento, sobre as perigosas palhaçadas dos larápios da nossa bandeira. Nem sobre as armações e declarações vergonhosas de generais golpistas. Nem sobre os inacreditáveis atos de violência, praticados nas ruas à luz do dia, pelo “governo” miliciano. E por que será, hein?

Perguntinha - Não seria uma boa oportunidade, agora, para uma real retratação com o presidente eleito, como ele sempre esperou, em vez da esmolinha ensaiada pelo dândi-âncora, “o senhor não deve nada à justiça”? Não é ótima a hora para toda essa mídia se desculpar também com o povo brasileiro? Esse povo que vem levando tanto no lombo, que não duvidou da inocência de Lula e que o reelegeu em uma disputa desigual e repleta de tramoias, não merece ouvir (dos patrões e de nossos coleguinhas) uma autocriticazinha?

Ao contrário, o espaço na mídia “conservadora” é garantido a pressões e provocações do mercado financeiro, bem como a críticas mesquinhas, provincianas, cafonas, que atravessam Lula e atingem até mesmo a sua mulher Rosângela Janja da Silva. E a posse ainda por ocorrer daqui a mais de mês!

Não querem deixar Lula voltar e trabalhar em sossego; não querem deixar que as pessoas sejam como são e que possam novamente se tornar felizes, ou menos infelizes, os abutres.

Berço do jornalismo futriqueiro

Curioso é que, fundada com apoio e recursos norte-americanos, em 1964, ano do golpe da ditadura militar (lembram-se?), a TV das Organizações Marinho logo teria nas mãos esse modelito, o da lavagem cerebral a jato, ditado por Roger Ailes, cérebro da comunicação da campanha vitoriosa do governo Richard Nixon, em 1968. Um parêntesis, aqui, para revelar um pouco sobre esse homem, falecido em 2017, aos 77 anos, enlameado em sua biografia.

Roger Ailes, que deixou seu rastro ardiloso por onde passou e terminou mergulhado em acusações de assédio sexual por 26 mulheres, fez carreira no partido Republicano, ao colaborar também para a reeleição de Ronald Reagan, em 1984, e para Bush pai ganhar as eleições de 1988. Nos anos 1990, ele chegou ao topo, como fundador da ultraconservadora Fox News, que não por acaso se tornou o canal de maior audiência dos Estados Unidos. Até Donald Trump teve um big help de Ailes, que o treinou a como se portar (agressivamente) em debates televisivos.

Espelho, espelho meu! – No entanto, nada disso é novidade, nem mesmo o documentário A lavagem cerebral do meu pai (de 2015), hoje disponível no Youtube. Nele, a diretora Jen Senko expõe suas pesquisas sobre a mudança de um homem pacato em um estúpido cidadão estadunidense de direita. E descobre que seu pai não era o único odioso a seus compatriotas progressistas mas, sim, mais um fanático seguidor de programas de rádio e TV que, por meio de mentiras escabrosas, os induziam a se tornarem parvos e maníacos direitistas.

Curioso, muito curioso, é que esta escriba viveu nos E.U. à época do governo Nixon e também observava – embora leigamente, pois ainda não ingressara no jornalismo –, o quanto os americanos pareciam moldados para serem bobalhões. As tevês ficavam permanentemente ligadas onde quer que se estivesse e era flagrante como os programas os direcionavam para um conservadorismo que destoava da proeminência do país no mundo.

Por força dos 21 anos de ditadura, muitos permanecemos antenados e flagrando, encabulados, a (sempre) imitação do império ianque e seus desastres para consigo próprio. Pior: assistíamos exasperados e impotentes àquele estado de coisas nos levando à destruição de conquistas fundamentais ao Brasil. Enfim. Embora aqui resumido, o quadro tem a ver, ou seria só uma pueril semelhança com o abacaxi que jogaram sobre nossas cabeças?

O mínimo do mínimo a esperar agora é que o Jornalismo pare de se portar como um lacaio lesa-pátria e aprenda o significado de soberania. E se não quer ajudar ao 3º governo Lula na reconstrução dos danos, que não perca as enormes chances de não fazer marola, repetindo a indecência de cumplicidades inescrupulosas, como a ocorrida com a Lava Jato. De ser uma colônia de babacas já estamos bastante fartos.

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