Angélica Torres -
Lula voltou e ao centro das atenções voltam com ele outro discurso e outro debate político, outras falas e outro alento entre as pessoas, outra vibração e outro astral em geral.
Lula voltou e sem dever nada a ninguém, ao contrário, recuperando pacificamente os dois anos surrupiados do governo de seu partido, quando com Dilma Rousseff à frente, e mais dois de juros – o que é muito pouco pra fazer jus à conta dos quatro anos de mandato oficial e a tanta perseguição, humilhação e sofrimento que a ele causaram (e, por tabela, a todos os que então votaram com o Partido dos Trabalhadores).
O que é mais extraordinário na biografia desse homem, em cartaz há 44 anos, é o fato de continuar oferecendo, para a reconstrução do país, a sua força de vontade, sua ímpar capacidade de articulação, seu carisma e o sentimento compassivo pelo povo mais desamparado. Lula foi derrubando seus inimigos invejosos um a um e arrebanhando todos num campo de força que soma a união de dez partidos políticos e de incontáveis adversários, quantos antes odiosos a ele, quantos maledicentes, quantos desejosos de vê-lo “apodrecer e morrer” na injusta prisão.
Nova era. Vida nova. Mas vai continuar difícil? Vai. Irão se decepcionar os ansiosos por resultados imediatos? Com certeza haverá ranger de dentes. Mas será diferente sem a quadrilha aboletada no poder, agora, trabalhar, lutar ao lado dele, pelo reerguimento do país. Será um enorme prazer. Parodiando a canção de Ivan Lins, "afinal de contas, aprendemos muito nesses anos/ não tem cabimento, entregar o jogo no primeiro tempo".
Dois anos ou mais (ou menos, quem sabe?) podem levar pra começarmos a ver resultados dos esforços que virão, porque a devassa foi brutal – e quanto ainda iremos descobrir de mais aberrações praticadas contra nossos direitos e interesses! Mais ainda, vamos combinar: esperemos atentamente pra ver o que vai acontecer, quando a nova relação geoeconômica multilateral bater à porta do Brasil dos BRICS e os brothers da América do Norte passarem a cobrar de seus súditos leais – os donos da grande mídia – os “direitos” a que eles se julgam ter sobre nossas riquezas e nossa soberania.
Ora, quase a metade da população vai novamente dar de inocente útil e entregar o jogo no primeiro tempo? Ou, pós-efeitos Lava e Vaza-Jato, já desenvolveu um cadinho de senso crítico e aprendeu que tem de ficar com barbas e madeixas de molho, pois o inimigo externo conta com lacaios e mercenários à sua disposição aqui mesmo, dentro do país?
Importantíssimo lembrar que aprendemos a ir para as ruas expor nossas posições e reivindicar os interesses. Aliás, participação é o que Lula tem repetido esperar do povo. Governança em conjunto, que nos 12 anos de mandatos ainda não tínhamos aprendido a praticar.
Enfim, estamos em literal estado de graça e nada, desde ontem, deve macular nossa alegria, nossa felicidade, pela volta da Democracia ao país. Apenas, ainda: que os vilões paguem pelo indizível sofrimento causado aos mais de um milhão de cidadãos vitimados pela Covid-19 e às famílias que os perderam, e, pior ainda: aos bebês sobreviventes e sequelados pelo vírus, bem como crianças, adolescentes, adultos e idosos que também escaparam da morte, mas não os efeitos danosos da doença ao organismo.
Que paguem pelas carências e amargura das famílias de milhões de desempregados; pela perversidade com que trataram toda a causa pública, que nos diz respeito. Que paguem pela destruição de nossas empresas e instituições e da reputação de tantos acossados; e das florestas de nossos biomas, da nossa educação pública, nossa ciência, nossas diferenças étnicas e de gênero.
Que paguem pelos ataques aos praticantes de diversos credos, portando a Bíblia na mão esquerda e faca, pistola, granada, na direita. Poderemos então nos sentir passados a limpo, com a conta do carma da ditadura militar finalmente acertada. E, então, é cuidar pra não cairmos mais sob a maldição de Sísifo – pelo menos por um século de intervalo, no mínimo, entre a subida e a descida da ladeira, carregando pedras na cabeça e nos braços!