"A vida é de quem se atreve a viver".


Cena de "O Farol", com Fernanda Cabral, estará nos festivais teatrais do país neste novo formato, começando neste sábado (20/2). (Fotos: Juliana Caribé)
Bebês e crianças já podem assistir teatro virtual

Angélica Torres –

O planeta segue para uma variante de distanciamento que, além da adesão ao trabalho em casa, demanda dos artistas a criação de novos e atraentes formatos para poderem se comunicar com seus públicos. Desafio posto, as soluções mostram a competência criativa de uma classe que precisa, sobretudo, se sentir retroalimentada pelo calor humano de suas plateias – caso dos elencos teatrais, dos músicos, dos bailarinos, dos circenses e até dos cinematográficos. A brasiliense Fernanda Cabral é um típico exemplo do panorama dessa realidade.

Compositora, cantora, instrumentista, musicoterapeuta, dançarina, atriz e agora também dramaturga e professora de Teatro para Bebês, Fernanda Cabral lança a peça de sua autoria O Farol, dirigida ao público de bebês de meses a crianças de até 4 anos, em um molde que reconfigura o teatro na linguagem do audiovisual. Originalmente, o espetáculo resultou de sua formação de Mestre pela Universidade de Brasília, em 2017. Foi apresentado com sucesso a plateias infantis de festivais teatrais realizados no Brasil, na Argentina, Espanha e França, até 2019 e, agora, parte para fazer carreira na plataforma virtual.

Nas duas versões, a presencial e a audiovisual, O Farol é dirigido por Clarice Cardell. Antiga parceira de Fernanda, atriz e produtora da Cia. La Casa Incierta e pioneira, no Brasil, nesta vertente do teatro voltado à primeira infância, Clarice Cardell chama de “aventura” a nova proposta, que basicamente alterna a projeção da atuação da peça ao vivo, com cenas previamente gravadas, como cinema.

O Farol estará nos festivais teatrais do país neste novo formato, começando amanhã, sábado (20/2), bem como o já clássico Pupila d’Água – a primeira montagem da Casa Incierta, de 2002, quando a Companhia ainda estava instalada em Madri – e Fernanda Cabral também atua nesta peça antológica, desde os seus primórdios. Reinventar assim o teatro foi o modo possível de driblar a paralisia que a pandemia trouxe, “ainda que com novo lugar para atores e espectadores”, ela ressalta.

Substrato poético - A poesia impera nesses trabalhos teatrais, como um fundamento de formação estética para os bebês. No palco, a plasticidade e a delicadeza de movimentos e cores, textos e canções, figurinos e objetos de cena, surpreendem e mobilizam a atenção dos pequenos. O plantio de uma semente de Arte é flagrante no imaginário e nas primeiras memórias da criança. Os pais e demais espectadores também se beneficiam da proposta, revolucionária para as novas gerações – as que chegam e as que já estão vivendo sua infância neste momento caótico, doentio, perverso, medíocre, no Brasil, e de futuro nebuloso, no mundo todo.

No caso de O Farol, além da concepção dramatúrgica, da composição e da interpretação da trilha sonora, da atuação com requintes de dança, Fernanda Cabral introduz simbolicamente o conceito do arquétipo feminino, no texto e na misancene. Por meio das aventuras de sua personagem, uma menina (ainda feto), a autora sugere valores como busca de identidade, empenho, coragem, autonomia, liberdade, até o (re)encontro com a sua contraparte e origem, em terra firme: a Mãe, que também representa a Natureza.

A “menina-asa”, que se constitui também em “menina-peixe”, uma sereia, cruza os ares, singra os mares, ciganamente, até chegar e avistar a figura materna cantando a mesma canção que ela, sob uma árvore: metáfora dos ecos do útero ressoando nas remotas lembranças e instintos da primeira infância e vida toda, que, como compositora e instrumentista, a artista se vale para trabalhar a sonoplastia do espetáculo.

Fernanda Cabral tem a energia feminina como o fio condutor de suas criações, a ponto de, em O Farol, ressignificar maternal e beneficamente o mito sinistro da Sereia de Homero, na Odisseia de Ulisses (que, aliás, representa os desafios postos pela Natureza, para a raça humana saber vencer com astúcia e habilidade). A ligação de Fernanda com o mar e seu universo é recorrente em seus CDs, em espetáculos musicais, nas suas diferentes criações para bebês e crianças.

Elemento visceral em suas personas, a água batizou até mesmo o seu recanto de trabalho, o Studio Sereia, em Brasília. Aí ela desenvolve projetos que visam dar voz à intuição, ou à energia feminina, no processo criativo; seja com seus alunos e alunas, em cursos de concepção de espetáculos para bebês ministrados em universidades como UnB, UFMG e UFG; seja no projeto Música nas Incubadoras, que ela leva a maternidades como percussionista e cantora para bebês prematuros e suas mães em situação de extrema vulnerabilidade; ou, ainda, compondo e gravando canções ou trilhas para teatro e cinema.

Parcerias – E todo esse cabedal se presta ao espetáculo, que, não por acaso, tem por título O Farol, símbolo de luz jorrada sobre oceanos para orientar os navegantes. Concebido em linguagem fragmentada, híbrido de conto e poemas, Fernanda Cabral, contou com duas expressivas parcerias para a confecção do texto da peça e da dramatização da mensagem cifrada – que bebês entendem e captam, mais até do que os adultos: o compositor Chico César, seu antigo amigo e mentor artístico, e o poeta Lau Siqueira.

Ainda na proposta das cenas filmadas para o formato virtual, é notável o tratamento dispensado à linguagem de sinais: vê-se logo no início uma espécie de balé com as mãos da atriz desenhando signos e significados do espetáculo, a fim de integrar crianças com deficiência auditiva à plateia. Também é digno de nota o esmero da cenografia e dos objetos de cena assinados pela artista plástica Viviane Cardell.

Tudo isso acena que o Studio Sereia e a Cia. La Casa Incierta prestam um serviço inestimável às famílias com filhos no primeiro estágio da vida. Aproveitar o tempo de “quando a criança é criança”* é preciso, pois tudo é passageiro. E a oportunidade generosamente oferecida é esta, agora.
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(*) Als das kind kind war, verso do poema “Canção da Infância”, de Peter Handke, citado no filme Asas do Desejo, de Wim Wenders.

(**) Para ver cenas do espetáculo O Farol clique aqui

O FAROL no Festival de Teatro Primeiro Olhar - Reserve seu ingresso virtual no e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. informando dia e horário preferidos. Ao se confirmar a reserva, você receberá um link Zoom para acesso à sala, o que pode ocorrer um pouco antes do horário da transmissão. Fique atento; ele chegará.

Observação: Cada festival ainda irá disponibilizar um link para a transmissão. Fique atento.

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