Angélica Torres (*) –
Ciro Gomes acha muito bacana marcar seu nome na política com uma estratégia mais caquética, coroneleira, velhaca, tô pra ver outra. Solta cada pérola, como esta: “Lula faz política 24h por dia”. Ora, ele queria que, por estar imobilizado politicamente no cárcere, o ex-presidente fizesse o quê? Tricô?
O cabra não consegue esconder a inveja por ver Lula, cada vez mais brilhante e carismático, assediado e entrevistado pelos melhores jornalistas do país, dentro da cela. E não satisfeito, chuta mais bola fora ofendendo a dois deles, o Moreira Leite e o Kiko Nogueira, mentindo, se contradizendo, dando bobeiras e não sacando a cafonice do estilo.
Aliás, ele acha lindo usar o termo “repto” e insistir no charmoso modelito réptil, destilando veneno e deselegância de dez em dez minutos também à Dilma e PT, e agora até à mídia independente (DCM e 247), angariando uma bela onda de repúdio e revanche, nova colheita bichada. Batendo pezinho com essa mania, não vai lograr novamente mais do que a rabeira nas eleições.
Não é praga. É vaticínio.
No novo show que deu no UOL, ele podia ter anunciado o lançamento de uma dupla sertaneja com o Messias Bolsonaro. A criatura se amarra em provocar, ou torturar, as plateias de um lado e outro (a do adversário e a dele próprio), com vara curta e muito grossa.
Não lhe caem fichas que o máximo que consegue é trair a própria inteligência e pensar que engambela a do público, por ficar arrotando ter muito conhecimento do Direito. Ora, nos poupe.
Tem o descaramento de acusar Lula de desmoralizar o que resta da Justiça no Brasil, quando dez minutos depois é ele quem afirma, com todos os tons de cinza-chumbo na voz, que “não há mais Justiça no país, lei não há, não se sabe o humor do juiz, chibata moral do Brasil inteiro”.
Lula em suas declarações desmoraliza, sim, o juiz Sérgio Moro e os procuradores que o perseguiram, e ainda hoje, implacavelmente, mas sempre ressalta a importância do Judiciário e reafirma a crença de que o irão inocentar.
A figura, entretanto, não sossega o facho e segue grunhindo: “a petezada perdeu a noção e agora chama de fascista o eleitorado de SP, MG, RS, RJ que levou Lula ao poder” e ainda, “Lula produziu Bolsonaro”.
Ciro será o benedito que não flagrou a contradição posta na mesma conversa? Pouco antes havia culpado a tramoia internacional, com Steve Bannon e as fake news à frente, pelo quadro trágico que hoje estamos pintados nele.
Com a mesma tática do golpe baixo, atacou juntos Dilma e o PT com “sua burocracia fraudulenta”, ao dizer: “O PT quer esquecer que Dilma foi uma péssima executiva”.
Ora, quem vê os petistas a toda hora defendendo a honra da presidente derrubada, ou não levando em conta Eduardo Cunha atravessado como uma tora de baobá em seu caminho? E mais, a brutal armação yankee entrando de sola na confusão dos diabos pra tomar posse do país e impedindo, oficialmente, desde 2013, que ela pudesse governar – e de cabeça fria – a tragédia que já se abatia sobre nós?
Ciro é tão pirado que tem o desplante de usar o nome de Noam Chomsky, um declarado defensor de Lula, contra seus próprios correligionários, só porque foi por ele citado como uma possível saída para o impasse do país; mas não foi isso o cúmulo da entrevista.
O mais bizarro foi ele dizer que o PT votou a favor da reforma da Previdência “por baixo da mesa” e, ainda, que “ódios e paixões amalucados estão destruindo o Brasil”. Além do presidente eleito, quem é o outro odioso e passional que entra nessa história?
Ando desconfiada do caráter dos que aplaudem Ciro Gomes e agridem Lula, PT e Dilma, à sua imagem, semelhança e moda. Como não enxergam a estratégia? Fazem o mesmo que os apoiadores do monstro: ignoram a farsa à mostra em suas palavras e atitudes, quando na verdade não ocultam o preconceito de classe explícito a tudo o que Lula representa e que não querem reconhecer que lá no fundo eles nutrem.
Ver uma entrevista de Lula, elegante até quando fala mal de inimigos e adversários, e depois assistir à de Ciro é de doer, de lascar o cano.
Eu que não sou filiada ao PT e nem a partido algum, mas que não engulo a maldade feita com eles, e que tampouco sou amiga dos jornalistas insultados, fiquei assim, parodiando o poeta baiano Nelson Maca, com a gramática da ira não na ponta, mas estirada em toda a língua.
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(*) Angélica Torres, jornalista da área cultural e poeta.