Angélica Torres –
Lula tem razão. O amor é a mais certa resposta, é o grande antídoto, ao ódio. Tem-se essa mesma impressão ao rever Asas do Desejo, o filme de Wim Wenders, escrito por ele com Peter Handke, o novo Nobel de Literatura. Quem viu o filme sabe o que isso quer dizer. O prêmio para Handke anunciado hoje, deixa muitos brasileiros na expectativa do resultado de amanhã para o da Paz. O páreo é duro.
Lula concorre com outros poderosos – o papa Francisco e a adolescente sueca ativista ambiental, Greta Thunberg, mas também com o nosso cacique Raoni, nome no qual apostam os sites internacionais. Logo se saberá para que prato vai pender a balança, se para o da luta política ou se para a ambientalista.
No entanto, podemos manter distanciamento, sabendo que o Nobel é comparado ao Oscar. O que conta de fato são o lobby e o peso político do candidato que sai vencedor. O governo de Obama foi notório em guerras e mortandade, o que em nada afetou a escolha de seu nome ao prêmio. No caso de Handke, por exemplo, em tempos de crescentes manifestações humanistas mundiais, decorrentes da conscientização dos males do neoliberalismo, apesar de o atributo ser literário, o lado controverso do romancista, dramaturgo, roteirista e poeta, não por isso, teria também atrapalhado o júri.
Se autor de mais de 80 títulos e tido como o mais lido em língua alemã, o austríaco Handke também coleciona críticas por suas polêmicas declarações e posições políticas. No meio editorial, conta-se que não acreditavam em sua premiação, pela sombra que ainda pende sobre ele. Durante a guerra na ex-Iugoslávia, o escritor tomou partido dos sérvios: expôs-se em livro com suas ideias e impressões após o massacre de Srebrenica, em que morreram mais de oito mil bósnios; aceitou depois ser condecorado por Slobodan Milosevic, presidente da Sérvia acusado de genocídio e mais tarde, viu-se novamente criticado e repudiado por discursar em seu enterro.
No entanto, Asas do Desejo, que tem sua poesia na base de todo o roteiro, e em especial o poema Als das kind kind war (“Quando a criança era criança”), recitado pelos protagonistas Bruno Ganz e Solveig Dommartin –, arrebatou plateias do mundo todo, sobretudo por ser o filme um tributo ao amor em final de milênio conturbado, carregado de maus presságios para o vindouro, já que o enredo, um libelo de esperança à humanidade, contrapõe-se à memória do nazismo, raiz da 2ª Guerra Mundial.
No Brasil, mais do que o romancista, foi pelo roteiro desse filme e mais outro, também com Wim Wenders, extraído de seu livro O medo do goleiro diante do pênalti, que seu nome tornou-se conhecido. Em entrevista publicada na imprensa portuguesa, Handke declarou seu amor pelo cinema, mas hoje diz se considerar um contador de histórias.
Mesmo portando vários prêmios na bagagem, ele afirma que o melhor para o escritor é uma recompensa pequena – e dos que podem ler em sua língua original. “Esses são os verdadeiros leitores do escritor. Não sou uma boa pessoa para prêmios, gosto para os outros, me sinto muito estranho, não é algo bom para mim. Gosto mesmo é de quando um leitor me escreve uma carta”, revela.
__________________________
Leia aqui o poema Quando a criança era criança:
https://alfonscsb.blogspot.com/2007/05/criana-quando-criana-peter-handke.html
_______________________
Olga Tokarczuk, a outra ganhadora é engajada e de esquerda
Romário Schettino
Olga Tokarczuk (foto), a outra ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura deste ano, nasceu em 1962, em Sulechów, na Polônia, e hoje vive em Breslau, também na Polônia. Formada em psicologia na Universidade de Varsóvia, estudou os trabalhos do psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961) e chegou a trabalhar como psicoterapeuta por um tempo.
Segundo o Nobel, a verdadeira inovação de Olga veio com seu terceiro romance, "Prawiek i inne czasy" ("Primitivo e outros tempos"), de 1996. O volume é "um excelente exemplo de nova literatura polonesa após 1989", avaliou o comitê do prêmio.
"A obra-prima de Olga Tokarczuk, até agora, é o impressionante romance histórico 'Księgi Jakubowe' ('Escrituras de Jacó'), de 2014. Ela mostrou nesse trabalho a capacidade suprema do romance de representar um caso quase além da compreensão humana", acrescentou o comitê.
No livro, Olga conta a história de Jacob Frank, figura histórica altamente controversa do Século 18 e líder de um misterioso grupo herético judeu que se converteu, em diferentes épocas, ao Islã e ao catolicismo. Aplaudido pelos críticos, o livro provocou violentas reações em grupos de direita na Polônia, e a autora chegou a receber ameaças de morte.
Além de "Os vagantes", seu único livro até agora lançado no Brasil, a editora Todavia planeja lançar, em novembro, o romance "Sobre os ossos dos mortos". A obra retrata "uma professora de inglês aposentada [que] costuma se dedicar ao estudo da astrologia, à poesia de William Blake, à manutenção de casas para alugar e a sabotar armadilhas para impedir a caça de animais silvestres", segundo o material de divulgação.
O texto descreve o volume como "subversivo" e "macabro", que "parte de uma história de crime e investigação convencional para se converter numa espécie de suspense existencial", ao abordar "temas como loucura, injustiça e direitos dos animais".
Politicamente engajada à esquerda, ecologista e vegetariana, Olga costuma criticar a política do atual governo nacionalista conservador, do partido Lei e Justiça (PiS).