"A vida é de quem se atreve a viver".


Roland Barthes (1915-1980): "...o fascismo tem como primeiro objetivo, sempre e em qualquer lugar, a liquidação da classe intelectual..."
Desconstruir a ideologia burguesa

Maria Lúcia Verdi -

O momento presente e a tentativa de compreender. Os infinitos relatos e a busca da lucidez. Proponho a leitura de texto de Roland Barthes publicado no jornal francês Le Monde em 1974, mas ainda pertinente. O intelectual, aquele que pretende analisar e ao mesmo tempo sonhar o momento presente – presença fundamental, mantenedora de uma distância necessária em relação à realidade histórica. O título do artigo, que traduzi do italiano, é: O que seria de uma sociedade que renunciasse a tomar distância?

O processo que periodicamente vem sendo feito aos intelectuais (a partir do caso Dreyfus que viu, creio, o nascimento da palavra e da noção) é um processo mágico:  o intelectual é tratado como poderia ser tratado um bruxo de uma tribo de comerciantes, homens de negócios e legisladores: o intelectual é aquele que perturba os interesses ideológicos.

O anti-intelectualismo é um mito histórico, ligado sem dúvida à ascensão da pequena burguesia. Poujade (NT: Pierre Poujade 1920/2003 - líder político francês populista, anti-intelectualista e xenófobo) deu recentemente a este mito a sua forma mais crua (‘o peixe apodrece a partir da cabeça`). Um processo do gênero pode periodicamente excitar o povão, como qualquer processo de bruxaria; não subestimemos o seu risco político: muito simplesmente é o fascismo, que tem como primeiro objetivo, sempre e em qualquer lugar, a liquidação da classe intelectual.

Os deveres do intelectual são definidos a partir dessas mesmas resistências, do lugar do qual partem; Brecht os formulou muitas vezes: trata-se de desconstruir a ideologia burguesa (e pequeno burguesa), de estudar as forças que movem o mundo e de fazer progredir a teoria.  Sob estas fórmulas, evidentemente, está incluída uma grande variedade de práticas de escritura e linguagem (pois o intelectual se assume como um ser de linguagem, o que perturba exatamente a segurança de um mundo que contrapõe soberbamente às ‘realidades`, às `palavras`, como se para o homem a linguagem fosse apenas o cenário vazio de interesses mais substanciais).

A situação histórica do intelectual não é confortável; não devido a processos derrisórios que lhe venham feitos, mas porque é uma situação dialética: a função do intelectual é aquela de criticar a linguagem burguesa exatamente sob o reinado da burguesia; ele deve ser um analista e ao mesmo tempo um utopista, compreender ao mesmo tempo as dificuldades e os desejos loucos do mundo; quer ser um contemporâneo histórico e filosófico do presente: o que valeria e em que coisa se transformaria uma sociedade que renunciasse a tomar distância? E como observar-se se não falando desde si?”.

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