"A vida é de quem se atreve a viver".


A indiana Pratishtha Singh disse em Pequim: "Estou convencida de que o poder de cada um dos países do BRICS é suficiente para produzir uma mudança... que merece nossa atenção, que é a da proteção do meio ambiente em geral”.
I Fórum BRICS de Literatura na China

Maria Lucia Verdi -

De 15 a 18 de dezembro realizou-se no campus universitário da Universidade Normal, na cidade de Zhuhai, no sul da China, o primeiro Fórum do BRICSde Literatura (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Foi uma iniciativa do Centro Internacional de Escritura da Universidade Normal de Pequim, dirigido pelo Prêmio Nobel de Literatura chinês Mo Yan, autor do romance “Mudança”, publicado pela editora Cosacnaif, em 2013. Este Centro recebe escritores estrangeiros que desejem lecionar ou simplesmente residir por um período em Pequim e escrever (http://iwc.bnu.edu.cn).

Levei na bagagem, além dos meus, livros dos poetas Fernando Mendes Vianna, Francisco Alvim, Margarida Patriota, Lourdes Teodoro, Angélica Torres Lima, Luiz Turiba, Nicolas Behr, e Noélia Ribeiro. Esses livros foram doados para as bibliotecas das duas mencionadas universidades, bem como à de Pequim. A ideia de uma antologia bilíngue desses poetas “brasilienses” e de poetas chineses foi lançada e bem recebida. A cineasta brasiliense María Maia doou uma coleção de seus documentários sobre personalidades da cultura brasileira, que ficarão na videoteca do Núcleo de Cultura Brasileira (NCB), da Universidade de Pequim."

Está sendo preparado um documento formal aos atuais coordenadores do BRICS, defendendo a criação de um Comitê formado por um representante de cada país, a ser substituído a cada dois anos, de modo que a organização dos futuros BRICS de Literatura venha a ser feita por escritores e acadêmicos. Nele constará o pleito de que o organismo arque com as despesas dos encontros a fim de que não se dependa da verba das universidades, como ocorreu na China.

A leitura e a literatura são fundamentais para a transformação da realidade, e o BRICS foi criado com propósitos transformadores. Como disse a escritora russa Irina Balmetova: “O Terceiro Milênio já chegou – estarão os pensamentos estéticos e filosóficos tradicionais e as ideias pré-concebidas preparados para serem modificados?”

Algumas das mesas bilaterais - cada uma com temática específica e formadas por escritores ou professores chineses e os representantes de um dos países convidados – ocorreram em horários coincidentes. Brasil e África do Sul, por exemplo, não puderam se ouvir e debater.

Porém, na noite das leituras de textos autorais todos puderam se escutar. Os textos eram lidos nas línguas originais e projetados em inglês e em chinês. Da África do Sul estiveram presentes os escritores Frederick Vusi Khumalo e Niq Mhlongo, além do poeta Mphutlane Bofelo, que encantou a plateia com sua performática, musical e engajada poesia.

Como disse Khumalo, lembrando a escritora nigeriana Chinua Achebe: "Uma vez que observamos que, na medida em que o leão não pode ler ou escrever, a história da caça será sempre narrada a partir da perspectiva do caçador. No entanto, agora que o leão – na forma de um cidadão do mundo, formalmente civilizado, especialmente na África – pode ler e escrever, é tempo das coisas mudem”.

Houve tradução simultânea para o chinês, russo e inglês, mas não houve distribuição dos textos em papel. Aliás, a questão da “tradução”, cada dia mais atual e necessária, foi um fator que dificultou em muito a comunicação, não obstante os esforços dos intérpretes chineses, simpáticos estudantes voluntários. Como disse o professor João César de Castro Rocha, da UERJ,  seria fundamental a criação de uma “rede de traduções” entre os países do BRICS.

Da delegação russa, composta por quatro escritores, apenas uma -a ótima Irina Nikolayevna Balmetova, editora do jornal de arte “Outubro” e autora do “The silk road of poems”, traduzido para várias línguas - se comunicava em francês. Foi dela a ideia de que o segundo BRICS se realize na Rússia.

Compartilho aqui o poema PENA, do premiado poeta russo Vyacheslav Glebovich Kupriyanov, que teve a antologia poética “Luminescência” publicada pela Editora Kalinka em 2016, traduzida diretamente do russo por Aurora Fornoni Bernardini.:

Pena dos russos. Suas lágrimas
Caem no mar Cáspio.
Pena dos hebreus. A fumaça de sua pátria
Come os olhos.  Pena dos alemães, deles
Ninguém tem pena. Pena
Dos Neandertais. Extinguindo-se,
Acreditaram no homem. Pena
Dos americanos. Eles, parece,
Não têm pena de ninguém. Pena
Dos aborígenes. Eles serão escondidos
Em roupas da moda. Pena dos navegantes,
Mesmo assim darão com a terra.
Pena dos geógrafos. Eles
Não veem a terra atrás do globo.
Pena dos astrônomos. Eles
Põem toda a esperança na noite.
Pena dos historiadores. Eles
Nunca conseguem inventar
Uma história melhor...

As apresentações da delegação brasileira, composta pelo professor Francisco Foot Hardman, cientista político, doutor em filosofia, professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp, pesquisador do CNPq, engajado nas causas dos direitos humanos e do meio ambiente; pelo jovem e erudito, professor da UERJ, João Cezar de Castro Rocha, especialista em Literatura Comparada e também pesquisador do CNPq, e por mim, foram muito bem recebidas.

Sentiu-se a necessidade de incentivar a que mais estudiosos chineses se dediquem à literatura e à cultura brasileira, conhecida por poucos, como lembrou o professor Hu Xu Dong, da Universidade de Pequim, vice-diretor do Núcleo de Cultura Brasileira da Universidade de Pequim (UP), poeta e tradutor do português para o chinês.  Minha apresentação centrou-se no retrato do Brasil e do povo brasileiro por meio da poesia, de Gregório de Matos a Francisco Alvim, perfil feito através da poesia engajada com as causas sociais, com a liberdade e a resistência.

A Índia enviou três mulheres notáveis: Midrula Garg, escritora reconhecida internacionalmente e traduzida em muitas línguas, ativista pelos direitos humanos, representante Senior de uma geração de mulheres pensantes e engajadas, diz ela: “A literatura é tratar de experimentar o outro como a ti mesmo, abraçando a divergência como essencial para a criatividade e a mudança social”. Sukrita Paul Kumar, professora, tradutora e poeta, autora prolífica, comprometida com as questões de gênero, tradição oral e literatura internacional, também defensora da tradução como “pontes para o maior entendimento entre povos de territórios linguísticos diferentes”;  e Pratishtha Singh, representante da jovem Índia, professora de italiano na Universidade de Nova Delhi, muito envolvida com questões feministas e ambientais, tendo sido jurada do Festival Internacional do Meio Ambiente de São Paulo, em 2014.

Diz Pratishtha: “Estou convencida de que o poder de cada um desses países [BRICS], a positividade, é suficiente para produzir uma mudança. A principal ideia [...] que merece nossa atenção e sensibilidade é a da proteção do meio ambiente em geral”.

Na mesa de abertura do Fórum, que teve como tema “Nova era, novas experiências, nova imaginação”, assim se expressou o premiado Mo Yan sobre a necessidade de que a literatura mundial (ou “transnacional”, como propõe João César) circule: “[...] os escritores contemporâneos tomam diferente direções ideológicas de todas as expressões literárias mundiais; eles compartilham uma memória comum das literaturas de vanguarda da década de 1980 e, consequentemente, uma série de excelentes obras com características nacionais foram criadas. Ao mesmo tempo em que os autores chineses se atêm às suas experiências locais e tradições literárias, eles interagem ativamente com a literatura mundial, o que é um dos fatores essenciais para o enriquecimento da literatura chinesa.”

Para todos nós, o fundamental dessa experiência - além de reafirmar a crença na importância do estudo das línguas e não só do inglês - é a convicção de que o BRICS de Literatura deve se tornar uma realidade de dois em dois anos.É relevante que essa ideia se torne concretize, pois o que essencialmente funda o ethos de um povo não é a economia e a política, mas a cultura, a sociedade e suas criações.

Que se discuta a realidade do BRICS também a partir dos que pensam e escrevem, dos que imaginam e sonham outra realidade - que o BRICS possa vir a ser uma janela significativa para que se reflita sobre a (des)ordem atual.

Nas palavras do professor Foot Hardman: “A literatura brasileira contemporânea acredita no poder da poesia contra as bombas. Ela luta por uma paz mundial que seja verdadeira. Luta pelo fim de todas desigualdades e pela profunda solidariedade entre Norte e Sul, entre Leste e Oeste. Ela luta pela sustentabilidade da Terra, onde a humanidade possa encontrar uma nova harmonia com a natureza e, especialmente, antes de tudo, entre seus povos”.

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