"A vida é de quem se atreve a viver".


Ilustração: "A Ilha dos Mortos", de Arnold Böcklin
Para Paul Celan, para os 170.000 mortos, para João Alberto

Maria Lúcia Verdi –

“Leite negro da aurora bebemos-te à noite
bebemos-te cedo e no dia bebemos-te à tarde
e bebemos bebemos”
(Fuga da Morte, Paul Celan, poeta romeno,
no centenário de seu nascimento/1920-1970)

Aquela coisa que te acompanha, além da sombra, a consciência da morte. Aquela coisa que dança entre velamento e desvelamento, o que é? É a pergunta sem fim. O medo sem vocalização, paralisado, a angústia sem nome, muda e transparente.

Aquela coisa vem quase sempre unida à outra, também velada e desvelada, a poesia, essa imersão súbita na luz, na glória do instante, na falta de palavras frente a um fato transcendente, uma luz inesperada.

Aquela coisa, a primeira, a além da sombra, companheira como ela, espanto, te invade inadvertida, aguda como longo salto em mar profundo, tu, nadador neófito.

Aquela coisa, a poesia, também espanto, te agarra pela mão, te salva da imersão absoluta, sem retorno, naquele mar-tempo, naquela consciência do nada e do absurdo, te salva por instantes, mas te salva, te faz respirar.

Aquela coisa, a pergunta sem fim que te acompanha desde sempre, se recoloca, se redefine, ecoa como grito intolerável, atualizada, sangrando, instantânea, frente a fatos que escancaram o horror cotidiano, além da lógica, além da explicação, fatos que te tiram o ar, te paralisam, fatos que impossibilitam, negam, tornam sem sentido, supérflua, banal, inútil, despropositada aquela outra coisa, a poesia.

 

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