"A vida é de quem se atreve a viver".


Maria Lúcia Verdi: “Tahar é um grande crítico do que chama a desumanização do capitalismo. Seu livro “O racismo explicado à minha filha” recebeu o Prêmio Global Tolerance, da ONU, em 1988. Também escreveu sobre “Como explicar o Islam para crianças”.
Tahar Ben Jelloun, o poeta da identidade

Maria Lúcia Verdi (*) –

Em tempo de luta acirrada contra o racismo, vale lembrar a contribuição de Tahar Ben Jelloun nascido em Fez, Marrocos, em 1944. Criado duplamente na cultura árabe e francesa, escolheu escrever em francês, a língua do colonizador, como um desafio. Franz Fanon dizia que era o melhor instrumento de luta: dominar a língua de quem nos domina.

Confessa, também, que se sentia mais livre em francês, sendo o árabe a língua sagrada do Alcorão. Estudou Filosofia no Marrocos, mas diplomou-se em Psiquiatria Social em Paris. Romancista, ensaísta e poeta, é ganhador do Prêmio Goncourt, em 1987, com o romance A Noite Sagrada continuação do O menino de areia, que narra a história de uma menina árabe criada pelo pai como menino e sua luta para assumir a identidade verdadeira.

Sua obra se ocupa de temas complexos, inerentes às questões de identidade, exílio, justiça e liberdade. É um grande crítico do que chama a desumanização do capitalismo. Seu livro O racismo explicado à minha filha recebeu o Prêmio Global Tolerance, da ONU, em 1988. Também escreveu sobre Como explicar o Islam para crianças.

Ativo educador, ministra palestras continuamente para estudantes de todos os níveis. Crítico severo dos radicalismos fundamentalistas, diz sentir-se melhor na França do que no Marrocos, por não suportar a corrupção e a hipócrita resistência à modernização dos costumes que diz imperar em seu país.

Aos vinte e quatro anos, em 1968, escreveu um de seus poemas mais emblemáticos, Planète des singes (Planeta dos macacos), irônico e doloroso libelo contra a violência e o racismo da população francesa em relação aos nativos do Marrocos, por eles depreciativamente chamados de BCOTS, no poema traduzido como gentinha nativa. O tema do Planeta é o abuso sexual dos jovens marroquinos, corpos aceitos e desejados pelos turistas franceses como objeto de erotismo, mas não nas dependências do Clube Mediterranée, que praticava estritas regras racistas. Ao final do poema, Ben Jelloun une o pronome pessoal ao substantivo: mamediterranée\meumediterrâneo - lembremos que nos últimos vinte anos morreram 30.000 pessoas nessa região.

Agradeço a Nicole Pegeron e Antônio Carlos Queiroz pela boa troca de ideias necessária à tradução deste texto.

Planeta dos macacos

Vai até lá, é um país para consumir rapidamente
ele está ao alcance do teu prazer
Ah! Que belo país o Marrocos!
Ouarzazate!
Ah suas cegonhas tutelares que alisam os bicos
no oco de suas asas
Deixa o teu trabalho, a mulher e os filhos
Vem rápido rodear-te com arames farpados nos guetos onde tripas secam ao sol
Vem dependurar teus testículos nas muralhas de Zagora
Vai recuperá-los em Marrakech-a-vermelha
Deixa hibernar tuas lembranças
e leva novas neuroses
Aponta o teu dedo ao céu
arranca um pouco de sol do nosso subdesenvolvimento
A tua impotência se multiplicará em memórias decapitadas
e a tua noite de breu estenderá
suas muralhas como cortejos de esgotos
Atenção aos Mouros\ à gentinha nativa
eles são ladrões e fedorentos
podem arrancar o teu cérebro
calciná-lo e oferecê-lo sobre tabletes de terra muda

(melhor escutar outra voz)
O clube mediterranée é a tua salvação
Ambiente francês garantido, exigido, reembolsado

Monta sobre os dromedários
tua vertigem estará à altura da tua fome sem fim,
tua boca se abrirá para salivar quedas e prantos
Pela manhã, bebe um pouco de sangue árabe: até deixar
descafeinado o teu racismo
Aos amigos oferece a tua memória tatuada
cartão postal da beatitude em alumínio
ressonância obscura do teu crânio arrogante

E depois, come um
árabe
Ele é natureza, um pouco selvagem
mas de uma virilidade...
Sexo em tiras de carne exilada
permanecerá suspenso
ao fio de tua memória vergonhosa
Não poderás mais arrancá-lo de teus fantasmas
ejaculará a humilhação e o estupro na tua cara

Feridos
Vocês se amontoarão sob as árvores, domados
verão as estrelas se dissolverem em seus sonhos
fáceis
A febre subirá e vocês cuspirão sangue
sobre os bons sentimentos
Carniças hão de crucificá-los
à sombra do maravilhoso sol do clube
meumediterrâneo
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(*) Maria Lúcia Verdi, poeta e tradutora deste poema.

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