Maria Lúcia Verdi -
Visitei a mostra de Ralph Gehre, na galeria Referência, na semana passada. Fiquei calada frente ao “Jogo Simples”, mas impactada com a (nada simples) capacidade de síntese do autor, com a limpeza visual, com geometrias que brincam com as cores e as dobraduras provocando nosso olhar a procurar, a se jogar nas telas (foto).
Hoje volto à mesma galeria e encontro pinturas de Pedro Gandra (foto abaixo) e fotografias de Márcio Borsoi. O amor às cores que Ralph expõe explode no trabalho de Pedro. Um, a partir de um olhar arquitetônico, geométrico; outro, a partir de um mergulho delicado e onírico numa não–realidade, realidade que, no entanto, nos frequenta desde os contos de fadas.
Borsoi (foto abaixo) fotografa o rio Amazonas “Um rio que não me (lhe) pertencia” e que passa a ser seu, num movimento de retorno provocado pelo amor. Frente a uma das fotos me lembrei do magnífico conto do Guimarães Rosa, “A terceira margem do rio”. Que rio nos pertence, ou a que rio pertencemos? O dos sonhos, o da realidade? Ao dos devaneios, ao da vigília? De algum modo todos tratam dessa questão, a partir de subjetividades e propostas muito diversas. Viva a diferença!
Certas imagens dialogam, como encontrar um boto cor-de-rosa numa foto (esplendida) de Borsai e uma baleia vermelha num quadro do Pedro. Nos trabalhos dos dois há muita água - ela explode em azul na pintura de Gandra, como nas geleiras da Patagônia; nas fotografias de Borsoi ela se mostra cinza, melancólica como é a realidade do Norte do nosso país - e o fotógrafo nos mostra a beleza da melancolia. Há como uma ponte entre a foto de um galho submerso no rio e a pintura da menina vermelha submersa no azul, alçada por formas vermelhas, uma delas um barquinho, como os botes do rio de Márcio Borsoi.
Ralph abstrae, o azul pode ser do céu, da água, mas, sobretudo, é o azul do espaço concreto que ele decide pintar de azul – evocações sutis, recortes. Seu exercício metódico com as cores e as formas me recordaram os monges tibetanos construindo mandalas; frutos da mesma concentração, as pinturas de Ralph seriam mandalas de um século super invadido por imagens, que necessita respirar o vazio.
Minha formação não é em artes plásticas, me atrevo a falar por outro viés sobre o que as artes visuais me provocam. Esses três artistas trazem três mundos que estimulam, merecem ser vistos. Conhecemos a arte concreta brasileira, o construtivismo, mas o jogo de Ralph, apesar dos laços com essa tradição, é outro. Conhecemos (ou não) a realidade da Amazônia, mas o modo como Márcio Borsói a expõe em alguns momentos torna-a atemporal, universal. Conhecemos a fantasia, o romantismo alemão, o imaginário fantástico, mas o modo como Pedro Gandra o recria é apenas seu.
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Serviço:
Exposição I: Imagens de um rio que não me pertence – Márcio Borsoi
Exposição II: Caminho para Lula – Pedro Gandra (Curadoria de Marília Panitz).
Local: Galeria Referência - CLN 202 Bl. B Loja 11 (subsolo), Brasília-DF
Em exibição até 30 de agosto.