Maria Lúcia Verdi –
A abertura da mostra Ato – Teatro e Dança, da fotógrafa Mila Petrillo, no Museu Nacional República, Esplanada dos Ministérios, em Brasília, reuniu a classe artística brasiliense, o público que acompanhou os espetáculos durante algumas décadas e jovens que querem conhecer esse registro.
No texto de Severino Francisco para o catálogo, que não só descreve a alquimia da fotografia de Mila, como a situa muito bem no contexto histórico em que foi produzida, lemos: “Algumas vezes, destacam-se pelo enquadramento ou os jogos de luz, sombra e cor, como se fossem cinematizadas. Em outras, apresentam-se com o aspecto de esculturas vivas, na acuidade para captar as curvas, os volumes, as saliências, as reentrâncias, a musculatura e a materialidade do corpo. Ou então revelam-se quase como pinturas impressionistas, com os corpos se desintegrando nas cores e ganhando a leveza da luz. Ou flagram, a seco, na fisionomia do rosto, o átimo desvelador do estado de espírito do personagem. Ou, ainda, as imagens das cenas teatrais dançam como uma pintura em movimento. E o movimento da dança ganha um ritmo de música para os olhos”.
Curadora da mostra, a atriz Carmen Moretzshon, escreve a apresentação e a intitula “Fotografar com a alma”. Encerra-a assim: “Afinal, deslumbrar-nos parece ser uma das missões de Mila sobre a terra”.
Muito já se teorizou, já se divagou em torno da fotografia. Dois “clássicos” me marcaram: os ensaios de Roland Barthes e de Susan Sontag. Mas não quero citar ninguém, apenas dar um depoimento sobre o que vi, ouvi e senti. O que vi, ouvi e senti foi a alegria das pessoas, os sorrisos e abraços que trocavam ao verem as imagens expostas que as traziam de volta a um tempo, no caso dos artistas, a si mesmos.
Cheguei em casa e fiquei me perguntando qual o segredo daquela magia que havia elevado a todos nós, por algumas horas, para um outro plano.
Essa magia é o segredo da grande arte e por isto ela é indispensável. A arte não pode se ausentar da sociedade ou a verdade nos mata, como mais ou menos disse Nietzsche - por isto é preciso lutar por educação e cultura, para que ela surja e dê um outro sentido ao prosaico da existência.
Um dos elementos essenciais desse segredo da arte, no caso da fotografia, é o silencio que se instala em torno de imagens que conseguem transcender o tempo do clic, eternizando um segundo de pura beleza, congelando-o num êxtase visual. No frenesi da vida contemporânea - um fluir continuado e extenuante de imagens - a paralisação que a fotografia de arte pode realizar é um alívio, um respiro, um outro tempo.
As fotos de Mila são feitas com 100% de coração e 100% de técnica. Ela abusa (docemente) do dom de ser mestra de sua arte. Nesta exposição vemos que o ato teatral desvela: a vida muito além dela mesma.
Fotografias belamente distribuídas, impressas em fine art, muito bem iluminadas, nos fazem esquecer que tudo aquilo é passado - presentificam epifanias. Olhamos as fotos e nos irmanamos com a artista em nossa sede de absoluto, de eternidade. Nelas, o tempo de um gesto infinito, de uma expressão do para sempre.
Ao mesmo tempo em que as imagens falam, gritam, e constroem atos perdidos, impõem o silencio da beleza. Não por acaso Mila é também a saniasi, Anand Niranjana, dedicada à busca espiritual e à transmissão de sua fé juntamente com o seu companheiro de vida Devam Bashkar, tendo ambos estudado na Índia.
A liberdade com que vive e olha o mundo permite que o ato de fotografar parta de um olhar aberto, acolhedor, despido de condicionamentos, apto para captar plenamente a beleza.
Numa das alas, encontrei Severino Francisco, os olhos brilhando como os de um menino encantado. Quando nos abraçamos era como se nos disséssemos: vai passar, vamos resistir. Saímos da mostra emocionados, acompanhados pelas imagens que adentraram em nós. Que aí, lá, fiquem como testemunhas de esperança. Disse Drummond “de tudo fica um pouco.”, e esse pouco, quando vem da arte, é puro alimento, néctar poético. Transcendência.
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Serviço:
Exposição de fotografias de Mila Petrillo: Ato – Teatro e Dança
Temporada: De 17 de abril a 30 de junho de 2019.
Local: Museu Nacional da República – Esplanada dos Ministérios – Brasília - DF.
Visitação: terça a domingo, das 9h às 18h30,
Informações pelo telefone: (61) 3325-6410.