"A vida é de quem se atreve a viver".


Maravalhas já previa a situação aflitiva do tempo atual com a cabeça esculpida de Lula na obra intitulada “O Presidente degolado”.
Nelson Maravalhas – desenhos e objetos

Maria Lúcia Verdi –

A galeria de arte atemporânea Matéria Plástica, dirigida pelo multifacético Luiz Augusto Jungman Girafa, está expondo até 31 de maio deste ano mostra do artista carioca radicado em Brasília, Nelson Maravalhas.

Grande oportunidade para nos deixarmos invadir pela liberdade e pela imaginação de um artista icônico entre nós, portador de qualidades que andam em falta numa realidade esmagadora.

A mostra em questão traz desenhos e objetos em distintos suportes numa seleção que surpreende e nos faz pensar. Não se sai de uma mostra de Maravalhas sem questionamentos sobre os mistérios, a mitologia, o esoterismo, elaborando possíveis histórias sugeridas pelos trabalhos.

Além de certas afinidades com desenhistas alemães, também anotei analogias possíveis com o nonsense da Patafísica criada por Alfred Jarry, Ionesco e outros da literatura e do teatro do absurdo.

Entre nós, que me lembre, e para colocá-lo numa certa “tribo”, temos os desenhos e as histórias de Zuca Sardana e o imaginário da pintura de Pedro Alvim.

Maravalhas, além de pintor e desenhista, é cenógrafo e um provocador, como se lerá na entrevista que se segue. As suas são imagens surreais, expressionistas, irônicas, aflitivas, que expõem um riquíssimo “intertexto” visual.

Entre os objetos expostos há um triângulo de madeira com a cabeça esculpida de Lula, intitulado “O Presidente degolado”. Esta peça foi produzida muito antes de tudo o que estamos vivendo, me contou o artista.

Há um desenho em sintonia com essa peça - as duas obras sendo distintas de todo o demais: uma mulher loira, beleza clássica, oferece uma bebida a um homem tipo caucasiano – a bebida está contida em um bule onde se lê a palavra “Ordem” (e se imagina o resto), o homem mostra, sob o terno, uma ereção inconveniente.

O site brasiliarios.com inaugura, com Maravalhas, uma série de entrevistas com personalidades “brasilienses” que contribuíram para a formação cultural da cidade.

Venham rever ou conhecer desenhos que, contrariamente à sua pintura, Nelson define como espontâneos e que são matéria para muita divagação.

Em vez de divagar, compartilho com vocês as respostas do artista:

Nelson, você fez Mestrado nos Estados Unidos e doutorado na Inglaterra. Houve apoio oficial? O quanto lhe parece importante o aperfeiçoamento no exterior para quem deseja se dedicar à pesquisa, às artes ou à vida acadêmica?  

R – Mestrado e Doutorado pela CAPES e pós-doc na Alemanha pelo CNPq. Para mim foi crucial para abrir os horizontes. Nestes países a crítica ao trabalho é fundamental, enquanto no Brasil vive-se no reinado do elogio desbragado em que todos e tudo é genial, lindo, maravilhoso. Temos que aprender a criticar - além do gosto & não-gosto -, saber analisar, ver defeitos, correlações, etc. Mas devemos também saber como receber a crítica de forma igualmente crítica, i.e. saber rebater sem tomar a coisa como ofensa pessoal.

Por outro lado, viver no exterior coloca em perspectiva nossa cultura, e nos dá uma dimensão histórica para além da visão comezinha e paroquial da nossa cena artística. Foi moda nas artes brasileiras em geral detonar com a crítica, e o crítico era o bode expiatório, o Judas em que todos os artistas geniais jogavam pedras sob o aplauso do público. Consequência disso foi a mediocrizarão, pois tudo passa como obra realizada por iluminados pela luz divina.

Infelizmente a figura do Crítico de Arte desapareceu da cena cultural, substituída pela falcatrua do "Curador" que apadrinha a todos que lhe agradam. 

Quais são as suas maiores referências nas artes visuais e na literatura?  Você acha que dialoga com uma tradição quando pinta ou desenha?  

R – Tenho influências, mas diria melhor confluências, com os lados A e B da história da arte. Com o Renascimento italiano e as iluminuras medievais e, por outro lado com a arte dos outsiders, i.e. dos psicóticos & marginais.

Mas admiro muito ainda a arte pré-colombiana, a egípcia, as máscaras mexicanas, as miniaturas indianas, e a arte dos povos da Oceania. Ou seja, minha visão se associa muito mais ou ao Clássico ou ao totalmente oposto ao Clássico. Um verdadeiro paradoxo abismal! Com o Modernismo e o Contemporaneíssimo tenho uma reservada distância.

Gosto muito de literatura, e a considero o combustível mais eficaz do funcionamento mental. Com efeito, ela age diretamente nos centros criadores. O ramo da minha pintura que chamo de Concepção Alegórica traz em si uma estrutura narrativa. Ela possui uma estrutura verbal e produz um discurso que conta sempre uma pequena história. Cada pintura é um capítulo de um grande livro que escrevo.

Como você avalia a importância da disciplina de Arte-educação ter sido ministrada nas escolas brasileiras nas últimas décadas? 

R – Enquanto os professores puderam agir dentro das áreas para os quais tiveram formação acadêmica foi excelente. Mas depois, com a reforma em que o professor agora é obrigado a ministrar aulas em uma área diferente da sua, a arte-educação se transformou em um despropósito, um insulto ao bom-senso. Eu tive a sorte de estudar na Escolinha de Arte do Brasil, fundada por Augusto Rodrigues no Rio de Janeiro, antes de entrar na universidade, e isso foi decisivo em todos os aspectos. 

Para você a arte é sempre engajada, de um modo ou de outro, ou há momentos em que ela precisa ser diretamente engajada? 

R – Vamos ver se eu entendi corretamente: acho que a arte é uma revolução constante da forma e do conteúdo, e o seu engajamento político é apenas umas das variadas faces em que essa revolução acontece. Em alguns produtores a preocupação política/social é primordial, enquanto em outros o vínculo com a psicologia do ser humano, a revolta contra os dogmas, ou a observação da natureza são mais prementes. Eu me incluo neste último caso. 

Você me disse não gostar de um dos conceitos que fundou o século XX, o do inconsciente freudiano. Como você chamaria esse mundo que fervilha dentro de nós e que se desvela brevemente em sonhos, em lapsos, em chistes? Há alguma relação dele com as imagens hipnagógicas (visões que se tem quando semiadormecido ou semidesperto) que você menciona no número 3 da revista SPHINX, editada pela Matéria Plástica?  

R – O problema do conceito do Inconsciente é que ele se dogmatizou, se cristalizou e virou um clichê, um lugar-comum destituído de sentido. Tivesse Freud vivido só mais alguns anos, e ele teria aperfeiçoado o conceito.

Nas pesquisas neurológicas nunca se encontrou o local, o endereço da Consciência, quanto mais o deste volátil substantivo. Há, sem dúvida, processos que não passam pela agência da Consciência, mas tal fato não implica na existência deste improvável “armazém de arquétipos estereotipados” aguardando o saque de artistas esfomeados.

O estado hipnagógico é um momento em que a mente está alterada e está ainda com alguns dos interruptores que levam ao sono ligados. Isso leva a que possamos ser receptivos a mensagens (memorandos) internas que as diferentes agências trocam entre si. A mente, isso sim, é constituída por agentes que permutam de papéis e funções a todo momento. 

Poderia nos dizer algo sobre a sua relação com o esoterismo, a mitologia e a patafísica? Como é viver no século da inteligência artificial e estar assim conectado com o mistério, com questões como alma e espírito? 

R – O Hermetismo, assim como as religiões, seitas, etc, me interessam apenas enquanto formas da imaginação humana, de literatura, de ficção. Pena que seus autores/leitores acreditem tanto no enredo, nas tramas, nas personagens que criaram ou que leem...

A fé é ignorante! O importante é o conhecimento, é saber como funciona essa máquina atordoante de criação que é o cérebro humano. Alma e Espírito são duas palavras destituídas de sentido. Valem apenas como metáforas da Mente. 

Como professor, agora aposentado, como você avalia a atuação do nosso MEC? E o que tem a dizer sobre a extinção do Ministério da Cultura? 

R – O MEC atuou bem nos governos do PT, tivemos até um intelectual do porte de Renato Janine Ribeiro como ministro. Agora, num desgoverno de trogloditas insensíveis, o que podemos esperar a não ser barbarismos retrógrados?? As barragens de Mariana e de Brumadinho cobriram de lama, isso sim, a cena política e as cabeças dos golpistas.

Serviço:

Exposição: Sphinx – Desenhos & Objetos de Nelson Maravalhas

Curadoria: Luis Jungmann Girafa

Temporada: De 9 de abril até 31 de maio de 2019

Local: Galeria Matéria Plástica – Arte Atemporânea

Endereço: Condomínio Privê Morada Sul, Rua 23, casa R49 – Altiplano Leste

Visitação: De quarta a domingo – faça o agendamento de sua visita pelos telefones (61)98127-5728 e (61) 3367-1591 ou pelo e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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