Zuleica Porto -
Adeus, cambuís. Meus companheiros de janela desde que, em 1981, vim morar nas quatrocentas velhas da Asa Norte.
Através de suas folhas, venho observando ao longo dos anos os deslocamentos do sol, as fases da lua, as chuvas torrenciais, as alvoradas sanguíneas do tempo seco.
Seus galhos generosos abrigam tucanos, sabiás, bem-te-vis, almas-de-gato, para não falar dos concertos de cigarras anunciando as chuvas.
Em janeiro, costumam explodir em amarelo. As flores invadem a sala e os dois quartos, e a casa fica toda dourada.
E logo tudo isso será apenas memória. Foi decretada a sua morte. Não estão doentes, apenas cresceram demais. São muito maiores que o bloco. E os galhos, virados para o estacionamento, ameaçam a integridade dos sacrossantos carros.
Portanto, adeus, cambuís. Obrigada pela leveza das alvoradas, a suavidade das tardes, a mansidão da chuva entre suas folhas. Obrigada pelas flores, pelas folhas, pelos passarinhos e pelas cigarras.
Quem sabe um dia sejamos uma civilização que valorize mais os seres vivos do que as máquinas. Por enquanto, elas, as máquinas, dominam corações e mentes.
Nunca esquecerei o dia em que vi um menininho, correndo por um estacionamento e gritando: “eu te amo, carro do papai”.
Quanto aos cambuís serão, como a Itabira do poeta, apenas retratos na parede. E saudades.