Zuleica Porto -
São quatro velhas senhoras, do tempo da construção da cidade. Conheço-as desde os idos de 1972, quando ainda eram conhecidas simplesmente como “Asa Norte Residencial”, enquanto as 500 eram a “Asa Norte Comercial”.
Os blocos, da 403 à 406, eram numerados, numa sequência única. Foi no então bloco 53 minha primeira morada na Asa Norte, depois de ano e meio abrigada pela generosidade dos tios Maria Neide e José Hélder, no bloco A da SQS 205.
Da república quase vizinha à antiga SAB, percorri diversas quadras e blocos, nas duas asas, até que em 1981 voltei para as 400 velhas da Asa Norte e até hoje moro no antigo “bloco 2”, hoje o H da SQN 403.
Foi onde cresceu meu filho Mateus, que mais tarde estudaria Arquitetura e Urbanismo ali pertinho, na UnB, uma espécie de prolongamento de casa, aberta aos passos e sonhos nossos.
Um de seus primeiros trabalhos, do início dos anos 2000, seria uma análise crítica das alterações ao projeto original. Lamentava a “era do mármore, quando as superquadras mais pareciam um cemitério”, e a então “era das pastilhas”.
E também que os pilares, antigamente redondos, tenham sido “enquadrados, diminuindo a área de circulação nos pilotis, proporcionando um gasto em uma obra sem nenhum sentido estrutural”, os pilotis cercados e as áreas públicas das comerciais transformadas em áreas particulares dos estabelecimentos.
E o que mais o incomodava era o crescente número de estacionamentos, ocupando lugares antes reservados a áreas verdes. “Isso aconteceu muito em áreas entre blocos, como no meu.
O agradável jardim que abrigava os jogos das crianças, pequenas hortas, e garantia a sombra do sol poente, foi destruído dando lugar a um inóspito estacionamento.
O resultado foi, além das tão sonhadas vagas, um aquecimento generalizado das habitações, além da diminuição da área de convívio da vizinhança”. Ali nascia o urbanista dedicado ao estudo das “cidades para pessoas”.
Hoje, mais de uma década depois, vivemos a era do piso em porcelanato e das janelas em vidro blindex, que dão aos velhos blocos um ar constrangido de banheiros de escritórios cafonas.
As áreas verdes continuam ameaçadas pelos carros; outro dia um grande abacateiro diante do nosso bloco foi mutilado para garantir a vaga de uma moradora...
Apesar de tais lamentáveis alterações, as velhas 400 ainda guardam certo ar de cidade pequena: moradores antigos cumprimentam-se nas caminhadas, param para trocar notícias sobre filhos e netos, colocam mesinhas e cadeiras à sombra das árvores para jogar baralho ou dominó nos finais de semana.
Casais jovens com crianças levam risadas e desenhos a giz para debaixo dos blocos. Tucanos e periquitos aparecem nos galhos do cambuí diante da minha janela.
Tenho uma especial estima por dois gigantescos fícus que remanescem na 406, pelos ipês e flamboyants deslumbrantes e pelas mangueiras que enchem as quadras de frutas e perfume em dezembro. Queridas 400 velhas...