"A vida é de quem se atreve a viver".


Um roteiro escrito para Dilma?

Alexandre Ribondi –

O filme Aquarius (em cartaz no Cine Cultura do Liberty Mall) carrega em si um mistério: como é possível um filme ruim ser tão bom?

Descosido em sua narrativa, com algumas cenas excessivamente longas e detalhistas e, em outras vezes, sutil e pouco explícito, ele faz adormecer um pouco em suas duas horas e meia de projeção (ou aproximadamente isso), perde-se um bocado nas lembranças e na nostalgia da personagem central, até que finalmente faz toda a plateia torcer por Clara, a mulher que enfrenta, sozinha, um grupo de brasileiros endinheirados e sem escrúpulos.

O diretor Kleber Mendonça Filho tem feito filmes que sempre nos apanham de surpresa - foi o caso com o longa O Som ao Redor e o curta Recife Frio, que arrancou aplausos demoradas numa das edições de Festival de Cinema de Brasília.

E em Aquarius, ele mantém a mão firme em assunto que lhe parece ser caro: a fina e silenciosa crueldade nas relações entre patrões e empregadas, pretos e brancos, pobres e elite.

Clara, a jornalista viúva, amputada de um seio para curar-se de câncer, já tem os filhos criados e mora sozinha num apartamento de segundo andar do prédio Aquarius, onde sempre viveu.

Um dia, no entanto, homens engravatados batem à sua porta para avisar que todos os demais apartamentos do prédio há haviam vendidos e que irão construir um empreendimento moderno, para os ricos de Recife.

Ela avisa que não está interessada e bate com a porta na cara dos empreiteiros. E aí começa o grande duelo entre uma mulher e os homens que a querem por na rua.

Parece que não, mas é coincidência se disserem que o roteiro foi escrito para Dilma, a mulher que criou a filha, lutou contra um câncer, e que morou sozinha no Palácio da Alvorada até que homens engravatados e como a avidez gananciosa conseguiram colocá-la na rua.

Pode também parecer que a obra copiou a vida da ex-presidente quando Clara entra no grande prédio da construtora, atravessa os corredores sem abaixar a cabeça e sai em defesa própria.

Ela afirma: "Já sobrevivi a um câncer", para deixar claro que sabe e que vai lutar. É ou não é Dilma Rousseff? O filme ganha ou não ganha um peso político admirável no Brasil hoje?

Mas não é que Kleber Mendonça Filho tenha o dom da premonição ao fazer filme anterior ao caso com tanto acerto. É que está claro que já se sabe o que vai acontecer, já se reconhecem as cartas marcadas, já se sabe identificar o perigo e os ímpetos desses homens de terno e gravata que sorriem para informar que irão matar os adversários e que o nunca desistirão da sua vitória.

Prova disso é que, num dos momentos em que Aquarius passa a ter narrativa sutil, Clara e sua advogada descobrem documento que incriminam os empresários que querem derrubar o prédio.

Quando os homens veem o documento, sabem que perderão a luta - mas em momento algum o roteiro diz o que há nesses papéis tão poderosos.

Não precisa dizer, pois qualquer brasileiro sabe do que se trata: roubo, corrupção, falcatrua.

Então, como se vê, o filme é muito bom e merece os aplausos que recebeu na última sessão de domingo no LIberty Mall.

Não foi ainda dessa vez que Sonia Braga conseguiu interpretar bem: ela confia demais na sua sensualidade e nas caras e bocas.

Já o resto do elenco chega a ser excelente e até mesmo comove em suas atuações discretas e delicadas.

Você não tem direito de postar comentários

Destaques

Mais Artigos