"A vida é de quem se atreve a viver".


Alexandre Ribondi
A fêmea e os cachorros doidos

Alexandre Ribondi -

Reza a tradição popular brasileira que "agosto é mês de cachorro doido". Esse refrão vem do fato de que é o oitavo mês do ano é o mais propício para que uma cadela entre no cio e o cheiro que ela exala basta que os machos, alfa ou do baixo clero, queiram atacá-la para garantir a sua continuidade.

Coincidência ou não, o Senado brasileiro vai se reunir para garantir os 54 votos necessários para a retirada da presidenta Dilma Rousseff do Palácio do Planalto em 25 de agosto - quando também se comemora o Dia do Soldado, aquele uniformizado que, em 1964, interrompeu a legalidade nacional e criou uma ditadura de 20 anos.

Pode ser mais uma coincidência. Ou não, porque a imagem de machos enlouquecidos atacando uma fêmea se encaixa como uma luva para o que estamos vivendo como provavelmente os últimos dias de Dilma e de um Brasil que caminhava para a famosa maturidade política, livre de golpes e quase livre de um grupo tradicional da população que há cinco séculos conta a História do País da exata mesma maneira: a riqueza da terra, os meios de produção, as instituições, tudo é deles e qualquer tentativa de alterar esse quadro torna-se crise e ameaça à democracia nacional.

Estamos, então, vivemos os últimos tristes dias, como devem também ter sido tristes os dias em 1954 que antecederam o suicídio de Getúlio Vargas - em 24 de agosto.

Dilma Rousseff escreveu uma carta à população brasileira e ao Senado reafirmando o que os brasileiros responsáveis já sabem: ela não cometeu crime que justifique o seu afastamento da presidência.

Mas isso pouco importa para os senadores que votarão pelo impeachment, porque eles não aceitaram até agora e não aceitarão até o fim do processo qualquer argumento que os faça aceitar o fato real de estão perdendo seus privilégios históricos. E é sabido, infelizmente, que contra fato não há argumento.

Além disso, Dilma reconheceu os erros de sua administração - e qualquer brasileiro responsável, de esquerda, de direita, sabe que eles existem.

Ela também admite a necessidade de mudança do sistema político brasileiro, uma máquina velha, enferrujada, que, para ser modernizada, terá obrigatoriamente que ser desmontada, com a quase totalidade de suas peças jogadas fora.

É uma fêmea quem diz isso e os machos ladram com desespero. Para quem, porventura, achar que a imagem da fêmea atacada por um bando de machos pode ser exagero, basta lembrar as pessoas que se sentiram ofendidas, ultrajadas e desrespeitadas quando Dilma pediu para ser tratada como presidenta, no feminino. Reparem o poder ameaçador da letra A.

É quase certo que teremos um interino como presidente. Não é necessário dizer o nome dele, todo o mundo sabe quem é. Há indícios de que praticou roubalheira, fraude, de que puxou a brasa para a sua sardinha. Mas ele está protegido pelos meios de comunicação, pelos empresariado, e pelo Congresso Nacional que marcou para 12 de setembro a sessão que decidirá pela cassação (ou não) do deputado e ex-presidente da Câmara que já ameaçou que, se derrotado, vai levar todos com ele.

Ora, qualquer cidadão responsável sabe que isso é ameaça de mafioso e que, se ele faz tal ameaça, é que de fato há crime. Mas pouco importa. Os novos dias serão um poço de vergonha com a qual o Brasil está acostumado a conviver desde o início da sua história.

Mas que ninguém se engane. No dia 25 de agosto, os senadores votarão contra não apenas Dilma, mas o que ela representa. Querem destruir com um Brasil novo que tem pobres e negros no ensino superior, que tem médicos espalhados pelos confins do País.

Destruirão conquistas como a carteira assinada para as empregadas domésticas. Impedirão o surgimento de uma nova classe média e a investigação da corrupção, seja contra quem for. O estado solidário deixará de existir e o direito do uso do nome social para travestis poderá também ser esquecido.


Mas um País com tantas conquistas sociais é um País que não dá lucro. É disso que sabem os senadores, os senhores da Câmara Alta, os herdeiros dos nobres da monarquia brasileira, a nossa vesga Câmara dos Lordes, que existe para defender os direitos da classe deles.

Na sua marcha pela vitória, passam por cima da fêmea, a mesma que ousou gritar em nosso nome: "nenhum direito a menos".

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