Alexandre Ribondi –
O teatro feito no Distrito Federal, que existe quase há tanto tempo quanto a cidade, tem vivido com visível dificuldade. Sem jamais ter conquistado um grande público e sem jamais ter conseguido força suficiente para criar uma política cultural capaz de garantir as finanças de artistas e técnicos, esse teatro brasiliense tem, ao mesmo tempo, gerado empregos, ideias e inovações que transformam a arte cênica. Desde os anos 1960, passando pela ditadura militar, os palcos do Distrito Federal têm história - mesmo que, muitas vezes, não sabe o que fazer com ela.
Com salas fechadas, com espaços ameaçados, com pequenos teatros alternativos vivendo às próprias custas, com todas as limitações que disso advém, o teatro feito nas regiões administrativas do DF tropeçou, agora, numa pandemia. O coronavírus saiu do Oriente, passou pela Europa e, na bagagem da classe privilegiada, chegou ao Brasil. Para aportar em Brasília foi um pulo: afinal, a cidade tem portas abertas para políticos, que vão e vêm, e para as várias representações diplomáticas.
E chegou o momento então de atores, técnicos e produtores se perguntarem o que vai ser do teatro quando a pandemia passar. Ninguém se apressa em dizer que ele vai deixar de existir mesmo que, aparentemente, a frase esteja na ponta da língua. Mas quanto tempo será necessário para que o público sinta confiança para se instalar numa sala fechada durante uma hora, ao lado de outras pessoas que respiram?
“Enquanto houver artista haverá teatro”, foi o que disse, em resumo, o produtor Rui Miranda, que administra o Espaço Cultural Casa dos 4. Mas a atriz, diretora e dramaturga Ana Flávia Garcia vai direto ao ponto, num estilo que, além de muito pessoal, ela tem levado para suas interpretações e textos: “Prefiro acreditar que o teatro morreu (…) Morte não como fim. Morte como transformação, mutação de estado de passagem”.
A morte é transformação e o vírus que tem assolado o planeta é o arauto dessa morte renovadora, em todas as manifestações humanas. O homem e natureza têm que aprender uma nova vida, com novos valores e horizontes, para não voltar a sucumbir. A atriz e agitadora cultura Kuka Escosteguy acredita que “a efemeridade do teatro, que por instantes desvela os sentidos mais profundos dos humanos, é mais do que nunca necessária para nos dar uma percepção de futuro, de vida que virá”.
O futuro a que se refere passará por um prova exigente e quase mortal. Se o artista quiser fazer teatro, ele conseguirá atrair o público? Por isso é que Rui Miranda afirma que “teatro implica público, troca de energia presencial, aplauso, atenção, respiração, inquietação. Vamos ter que reinventar. Torná-lo uma experiência ainda mais exclusiva e pessoal, irresistível e impossível de vivenciar através de uma tela”.
“Quando poderemos ser plateia de algo novo”, se pergunta do diretor e dramaturgo James Fensterseifer. Para ele, “antes da pandemia, fazíamos apresentações para cinco, 10, 15 pessoas e, mesmo assim, não pensávamos no fim”. Ele fala inclusive da força que sempre teve: “A necessidade de se expressar dessa forma artesanal e vibrante está introjetada na herança cultural de todos”.
Então, o teatro está preparado para suportar os maus dias que virão. O diretor, ator e dramaturgo Rafael Salmona também acredita que “teatro sempre foi sinônimo de resistência (…) Temos que resistir! É um momento muito delicado e só nos resta a reciclagem do teatro”.
Os trabalhadores de artes técnicos são devotos da esperança. A atriz Clarice Cardel (na foto, abaixo)l pede que “não se preocupem: o teatro mostrará sua importância e saberemos nos adaptar, porque é isso que tem sido feito há milênios e por todos os lugares onde houve gente”. Otimismo bem calculado e precavido é o que não falta. Vejam o que diz o Moizés Vasconcellos, lighting design: “Nós artistas sempre vamos estar prontos para enfrentar todas as barreiras. O teatro tem a incrível capacidade de se reinventar e criar diversos olhares sobre a vida”.
Mais uma mostra do otimismo com cuidado é o que diz Guilherme Reis, diretor, criador e realizador do Festival Cena Contemporânea, dono do Espaço Cena e ex-secretário de Cultura do DF: “O teatro voltará depois de passar um período mais ou menos longo de adaptação a uma nova realidade. Já temos um público bastante reduzido. Acredito que, mesmo com todos os cuidados que serão adotados, uma parte do público deixará de ir ao teatro durante um tempo. Mas voltaremos a recuperar a confiança”.
Ana Flávia Garcia fala do teatro como “um saber colocado à prova e que a sua morte é existencial. Acredito mais na ideia de morte e renascimento do que na de sobrevivência”.
Delson Antunes (na foto, abaixo), ator, diretor, dramaturgo e pesquisador de teatro, formado em Artes Cênicas pela UnB e residindo no Rio de Janeiro, vai pelo mesmo caminho: “O teatro terá que hibernar ainda por um tempo. Acho que a força energética trocada entre palco e plateia é insubstituível. E em breve irá reconquistar a sua importância na cultura”. E completa o raciocínio citando Antunes Filho que diz que “o teatro será a arte do século 21, pois é uma das únicas alternativas de encontro sem a obrigação de anteparos tecnológicos”.
Portanto, enquanto o confinamento se mantém e enquanto o vírus voa pelos ares do mundo, os artistas podem começar a engendrar o renascimento.
Como será feito? Em que condições renascerá? O que espera o público? O que os artistas terão a oferecer. São perguntas ainda sem resposta. Mesmo assim, uma coisa pouco praticada pela classe artística e pelos técnicos do DF deve ser finalmente reconhecida em sua importância: a união. Nenhum novo caminho, nenhuma nova rota e nenhum novo conhecimento surgirá enquanto mantivermos o isolamento que sempre cultivamos no teatro brasiliense. Será preciso que se juntem, todos - porque a história tem ensinado que é assim que se fazem as grandes mudanças.