Alexandre Ribondi –
“É cedo para julgar, mas Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça. Veremos”. Foi com essa declaração de dúvida e desconfiança que o astrólogo Olavo de Carvalho, guru de Jair Bolsonaro, está tentando se desvencilhar do secretário especial de Cultura do governo federal que, ao lançar o Prêmio Nacional das Artes, nessa quinta-feira, fez pronunciamento que é uma cópia da fala de Joseph Goebbels, o ministro da propaganda do chanceler alemão Adolph Hitler, possivelmente uma das figuras mais execradas e malditas do século XX. Como se não bastasse, Alvim escolheu, como música de fundo do seu pronunciamento, trecho da ópera Lohengrin, do alemão Richard Wagner, músico de predileção do nazismo.
Mesmo assim, o secretário explicou que se tratou de uma “coincidência”, mas que sua “frase em si é perfeita”. O que ele disse, num vídeo seco e objetivo, em que Roberto Alvim parece tomar uma postura empertigada, como se fosse aluno do primeiro grau diante do hasteamento da bandeira, foi “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo - ou então não será nada”. O nazista Goebbels disse exatamente a mesma coisa, anunciando que a arte alemã seria nacional, ferreamente romântica. Disse também que essa arte alemã teria grande páthos, ou não seria nada. Curiosamente, o nazista brasileiro não mencionou o páthos, muito provavelmente porque não sabia em que contexto cabe a palavra, palavra que se refere à capacidade da arte de tocar profundamente a audiência.
A classe artística e formadores de opinião reagiram com alarde à fala de Roberto Alvim que, de maneira surpreendente, abandonou uma elogiada carreira como dramaturgo e homem de teatro para se tornar o responsável pelo gerenciamento da arte e pela “nova cultura” que pretende revolucionar o Brasil sob a égide de Bolsonaro - um ex-militar sem refinamento, sem leitura, inculto, grosseiro, amante da ditadura brasileira (1964-1984) e de seus métodos de tortura. A wikipedia, enciclopédia colaborativa, multilíngue, de licença livre na web, apresenta o secretário como “dramaturgo nazista”. Ele já ganhou todos os prêmios nacionais de teatro e já deu aulas de artes cênicas no Brasil e em outros pontos do mundo.
E foi na quinta-feira, 16 de janeiro, que ele anunciou o Prêmio Nacional das Artes, que dispõe de R$ 20 milhões a ser investido em sete categorias: cinco óperas, 25 espetáculos teatrais, 25 exposições individuais de pintura e 25 de escultura, 25 contos inéditos, 25 CDs musicais originais e 15 histórias em quadrinhos. Esse prêmio, nas palavras de Roberto Alvim, tem como objetivo “promover o renascimento das artes e da cultura no Brasil”. E vai adiante: “Trata-se de um marco histórico para as artes brasileiras, de relevância imensurável e sua implementação e perpetuação ao longo dos próximos anos irá redefinir a qualidade da produção cultural em nosso país”. Como se vê, o secretário especial de Cultura tem sonhos grandiosos de reinventar o Brasil, exatamente como fizeram os nazistas alemães quando tentaram refazer a Alemanha.
Resta agora saber se a classe artística nacional participará do Prêmio. Ninguém é inocente a ponto de desconhecer que a seleção passará por um forte crivo ideológico de um governo que se fez notório por ser antidemocrático, misógino, homofóbico e racista. O apelo dos R$ 20 milhões pode ser forte e deverá aliciar criadores de todo o país - entre a direita e os que acreditam erroneamente que a arte não tem ideologia.
Em setembro, a Secretaria Especial de Cultura irá promover, em Brasília, o Mês do Renascimento da Arte Brasileira. Os premiados terão suas obras apresentadas ao público nacional. Em seguida, os espetáculos, exposições e concertos circularão por todas as regiões do País.
Mas é hora de não somente os artistas mostrarem o seu repúdio à sanha nazista do atual governo brasileiro. Os judeus, ameaçados por esse renascimento do nazismo, também têm motivos para se pronunciarem, de mãos dadas com todos os cidadãos, que pretendem que o Brasil seja um país voltado profundamente para as verdadeiras aspirações democráticas do povo - ou, então, não será nada.