"A vida é de quem se atreve a viver".


Alexandre Ribondi: "Na trama da novela há uma mãe (Regina Casé - na foto) que, depois de ter matado o marido abusivo, foge com sua penca de filhos para o Rio de Janeiro, onde trabalha como doméstica."
“Amor de Mãe”: um pé no novo, mas sentada na segurança do velho

Alexandre Ribondi –

Quando Danilo, personagem vivido por Chay Suede entrega um presente para sua namorada Camilia (a atriz é Jéssica Ellen), era de se esperar que se tratasse de um frasco de perfume ou de uma caixa de bombons para que a Rede Globo de Televisão pudesse se aproveitar do marketing. Mas, para surpresa, o presente era um livro com a obra completa de Vladmir Maiakovski, o “poeta da revolução russa”.

Novidades assim, como dois moradores do subúrbio carioca que leem e admiram Maiakovski, estão se tornando marca registrada da telenovela Amor de Mãe, que estreou em 25 de novembro de 2019 e que, desde então, tem provocado bochichos de baixa audiência e de apresentar tramas que não são de interesse do público. Mas a obra tem mudado tudo: diálogos inteligentes e possíveis na vida, personagens calcados na realidade nacional, cenários grandiosos e uma história que pode ter saído diretamente do cinema brasileiro para o universo dos dramas televisivos.

Não é para menos. A autora de Amor de Mãe, a baiana Manuela Dias, é a primeira dramaturga que, sem ter escrito nenhuma outra novela, nem para a Globo nem para outra emissora, a estrear diretamente no nobilíssimo horário das 21 horas. Ela marcou presença em vários roteiros para o cinema, em participado em festivais aqui e fora do país (como o Sundance) e já ganhou prêmios por suas escritas, inclusive com O Céu Sobre os Ombros, dirigido por Sérgio Borges, e que ganhou cinco prêmios no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

A trama tem sido considerada complexa. Há uma mãe (Regina Casé) que, depois de ter matado o marido abusivo, fugiu com sua penca de filhos para o Rio de Janeiro, onde trabalha como doméstica. Há uma mãe rica, advogada de sucesso (Thais Araújo) que, graças a um teste de DNA, descobre que o seu motorista particular é, na verdade, o filho que ela, 25 anos antes, tinha entregado a uma vendedora de bebês. E tem, também, uma mãe obcecada pela maternidade (Adriana Esteves) que descobre ter uma doença fatal mas que se recusa a morrer antes de ajeitar a vida do filho.  

O argumento de Amor de Mãe chegou à Rede Globo em 2016 e, de cara, entrou na fila para o horário das 21 horas. Mas teve que ser mexido, remexido, alterado, transformado para que a Globo pudesse inovar sem correr riscos. Ou que pudesse inovar sem apresentar nada de chocantemente novo. Ainda existem os pobres felizes e amantíssimos, os ricos indiferentes e de coração amargo, há amores complicados pelos quais haveremos de torcer muito. Se querem uma novidade, aqui vai uma: nesse mundo criado por Manuela Dias, cheio de empregadas domésticas, ativistas ambientais, motoristas de aplicativo, professoras de escola púbica e milionários interessados em ficar mais ricos ainda, não há ninguém que seja inteiramente bom ou completamente mau. Sempre há uma olhar humano em quem comete um crime ou uma certa derrapada moral em quem ajuda o próximo.

O cenário de Amor de Mãe é impressionante. A novela está sendo gravada no Módulo de Gravação 4, novo estúdio da Globo. Lá, os cenários não precisam ser desmontados e os criadores puderam se dar o luxo de fazer um bairro inteiro, com ruas sombreadas por um viaduto que lembra a Linha Vermelha. As casas são completas e o telespectador por ter uma visão geral, com corredores, quartos e salas.

Agora, resta saber se o público vai querer ver uma novela tão ousada e diferente. A julgar pelas demonstrações do gosto, da ética e da moral do brasileiro padrão, é provável que ele queira de volta das novelas simplórias, onde os maus são apenas maus e onde o bom vem para nos defender. Mas verdade seja dita: a TV Globo tem mostrado que, apesar de tudo, também consegue mudar aqui e ali. Essa semana anunciou que demitiu o autor Aguinaldo Silva, que já escreveu grandes sucessos para a casa. Há quem jure que a demissão se deve, em grande parte, ao fato de Aguinaldo Silva ter deixado claro o seu apoio a Jair Bolsonaro. Pode ser que a rede de televisão esteja querendo mostrar que, ela também, não é apenas daninha à sociedade e que pode tomar atitudes honrosas.

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