Alexandre Ribondi -
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), tem mostrado, de maneira a não deixar dúvidas, que tem a intenção de se alinhar com a política de extermínio da cultura e da educação aplicada pelo governo federal. Com sua equipe de governo, Ibaneis pretende reter a totalidade da verba destinada ao Fundo de Apoio à Cultura (FAC), de R$ 40 milhões, referente ao edital de 2018, e deixar à míngua a classe artística e os produtores de cultura da capital da República.
O FAC, considerado a mola propulsora dos empregos da área artística do Distrito Federal, sempre passou por maus pedaços nas mãos dos governantes, que sempre olharam com avidez o dinheiro reservado às produções culturais da cidade. Mas, desta vez, a ameaça está mais afrontosa e se reveste de proposta de amor à cidade: o dinheiro será desviado, diz Ibaneis, para a reforma da Sala Martins Penna do Teatro Nacional, uma obra grandiosa fechada há cinco anos.
A classe artística e os produtores culturais reagiram. Na noite dessa segunda-feira, 6/5, realizaram uma assembleia no Teatro Dulcina, localizado nos altos da Rodoviária e que, ele também, tropeça, há décadas, em problemas financeiros aparentemente sem solução. Sintomaticamente, a assembleia teve que ser transferida para a praça do lado de fora, porque o interior do teatro estava sendo ocupado, no mesmo momento, por um culto da igreja Renascer em Cristo.
A multidão de artistas e produtores que acompanhava os depoimentos e as denúncias feitas por pessoas como o músico Rênio Quintas e a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) serviram para mostrar que o governador do DF enfrentará uma luta. A deputada Erika, por exemplo, está se fortalecendo com os seus pares para a criação de uma conta própria para o FAC. “Com isso, ninguém poderá lançar mão da verba da cultura”, diz a parlamentar, “que não poderá ser manuseada por quem quiser se aproveitar”. Segundo ela, “o que está acontecendo é um golpe desferido contra a cultura, sob a alegação da reforma do teatro. Isso é ilegal”.
A deputada distrital Arlete Sampaio (PT), que também esteve na assembleia, disse que apoia o movimento. Arlete informou que o secretario de Cultura Adão Cândido, "durante reunião da Câmara Itinerante, realizada no Recanto das Emas, admitiu que há um superávit no FAC". A deputada está à disposição para encaminhar na Câmara Legislativa as demandas dos artistas e produtores culturais do DF. O deputado distrital Fábio Felix (PSol-DF), por sua vez, cobrou a publicação do superávit do FAC para que os editais de 2018 sejam pagos integralmente e que os editais de 2019 sejam publicados. Fábio Felix considera a "economia criativa um fator de desenvolvimento fundamental para a cidade". O distrital Chico Vigilante (PT) disse que vai propor uma Comissão Geral na Câmara Legislativa para debater o FAC. "Essa luta não é só dos artistas do DF, diz respeito a todos nós", lembra o deputado petista.
A noção de que se trata de um golpe e de uma movimentação ilegal parece permeada entre os agentes culturais do DF. De acordo com a atriz Clarice Cardel, “esta atitude do governador Ibaneis, de passar por cima da lei de forma desrespeitosa com a cadeia produtiva cultural, mostra a sua verdadeira cara. Eu estou abalada”.
O desolamento é acompanhado de um sentimento de abandono. O músico Rênio Quintas desabafou: “Sinto como se não tivéssemos secretário de Cultura. Estou aqui há 60 anos e nunca vi uma dissintonia tão grande”. Ele diz isso porque, de todas as reuniões e assembleias, o recém-empossado secretário Adão Cândido, da Cultura, não compareceu a nenhuma - em seu lugar, manda representantes. Mas sua ausência pode estar sendo compensada pelo secretario da Fazenda, André Clemente. Foi ele que, em reunião com artistas e produtores, prometeu se colocar à frente das discussões e garantiu que nenhuma decisão será tomada sem a consulta aos principais interessados, que são os artistas, os produtores e os técnicos da cidade.
A assembleia foi convocada pela Frente Unificada de Cultura do DF, que pôs em pauta o “cancelamento do edital de 2018”. Mesmo assim, é bom que se diga que o produtor do Porão do Rock Gustavo Sá, está otimista e acredita que será possível reverter a situação.
De qualquer jeito, o ator e diretor Humberto Pedrancini não esconde o desgosto: “Já passamos por isso antes e agora, em vez de estarmos trabalhando, ensaiando, lendo textos, estamos aqui, nos preparando para entrar na luta”. Para ele, “nosso produto é a arte, que faz o país crescer e evoluir”. Isso é a mais pura verdade no caso brasiliense: os espetáculos, shows e casa de espetáculos independentes são responsáveis pela criação de 10 mil empregos diretos. Por isso mesmo é que a atriz Kuka Escosteguy afirmou: “Ibaneis desconhece a realidade da produção cultural e da nossa economia criativa. Vai deixar muita gente sem emprego”.